Nova onda do café

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Neube Neto descobriu todas as possibilidades dos cafés especiais ainda na faculdade. (Foto: Leo Fontes/O Tempo)
Neube Neto descobriu todas as possibilidades dos cafés especiais ainda na faculdade. (Foto: Leo Fontes/O Tempo)

O café que aquece nos dias frios, que ajuda a despertar todas as manhãs, que acompanha desde descontraídos bate-papos até importantes negociações: se no Oriente há a cerimônia do chá, o paralelo possível do bom mineiro é o momento do café. E se é habitual a visão de um senhor bebericando em um copo americano, em qualquer padaria e a qualquer hora, a bebida é popular também entre os mais jovens, que têm investido cada vez mais tempo e dinheiro na iguaria, transformando os rituais atrelados ao seu consumo.

Foi durante a faculdade de administração que Neube Neto, 32, descobriu os cafés especiais. Há sete anos, as novas possibilidades de sabores fazem parte do dia a dia do fotógrafo. Tanto que, em viagem à ilha de Bali, não deixou passar a oportunidade de experimentar o Kopi Luwak, considerado o café mais raro (e caro) do mundo. Em Belo Horizonte, ele costuma experimentar os especiais disponíveis seja no recesso do seu lar ou em casas especializadas. É a partir da sugestão de baristas e de amigos que Neube seleciona os próximos grãos.

Impulsionado pelo hábito da geração de Neube, os chamados millennials – pessoas nascidas entre o final da década de 1970 e o início dos anos de 1990 –, o consumo de café cresce em todo o mundo. Nos Estados Unidos, que representam 44% do mercado cafeeiro mundial, o indicativo é de expansão do consumo em 2% até 2020, de acordo com a Organização Internacional do Café (OIC).

Outras pesquisas reforçam que são sim, os jovens, os responsáveis por esta curva de ascensão. A norte-americana National Coffee Association indica que, desde 2008, o consumo dos grãos gourmets subiu de 13% para 36% entre pessoas de 18 a 24 anos. Para a faixa de 25 a 39 anos, os números saltaram de 19% para 41%. O expresso acompanha a tendência de crescimento, passando de 9% para 22% no primeiro grupo e de 8% para 29% no último.

Especiais

“O momento realmente está favorável como nunca”, analisa Felipe Brazza, sócio-fundador do Café das Amoras. “Mas essa tendência forte é coisa recente”, pondera. Ele lembra que quando criou a marca de café especial com a esposa, Gabriela Mendonça, em 2012, o mercado ainda não era tão receptivo. “Tínhamos que oferecer degustação, mostrar que o produto realmente era diferenciado”, diz. “Agora, além de as pessoas estarem mais propensas a experimentar, existe um público de 20 e poucos anos voraz por um bom café”.

As características destacadas por Brazza, aliás, são traços que distinguem e identificam os millennials. De acordo com teóricos e especialistas deste grupo demográfico, como a consultora Gabrielle Bosché, estas pessoas priorizam vivenciar experiências a acumular coisas. O padrão se repete no consumo dos cafés: no lugar dos grãos comuns, preferem gastar um pouco mais para explorar novos sabores.

Outro aspecto pertinente é a busca por personalização. Gabrielle defende que em um contexto de enfraquecimento das ideias de igrejas ou comunidades enquanto lugares de associação social, o ato de comprar passou a se relacionar também com a construção de identidades e coletividades. Além disso, há a preocupação pelo chamado consumo consciente, daí o anseio por saber quem é o fornecedor. Brazza lembra que esta é uma das características da nova onda do café. “As pessoas querem saber – e sabem – de onde vêm os grãos. E não só do Estado ou região, sabem exatamente em que fazenda foram cultivados”.

A preocupação com a região de onde vem o café se relaciona com a qualidade do produto. Assim como para ter um bom vinho é importante que as uvas venham de um terroir ideal, as características climáticas e dos biomas são fundamentais para chegar ao grão especial.

A chef Ana Sandim lembra que em Minas Gerais há algumas áreas privilegiadas para a agricultura cafeeira. É o caso do cerrado e da região da Mantiqueira, que produzem cafés tradicionais e premiados, além de outros territórios que vêm sendo descobertos, como a Canastra. Ana reforça que dentro de um mesmo bioma há vários microclimas e até a exposição ao sol pode ser controlada a fim de melhorar a qualidade do café.

Consumo da bebida vive ‘terceira onda’ no mundo

Empreendedores. O barista Felipe Brazza e Gabriela Mendonça fundaram do Café das Amoras. (Foto: Denilton Dias/O Tempo)
Empreendedores. O barista Felipe Brazza e Gabriela Mendonça fundaram do Café das Amoras. (Foto: Denilton Dias/O Tempo)

Claro, não é só de terroir que se faz o bom café. Para Felipe Brazza esta é uma característica que faz diferença, mas que só começou a ser buscada recentemente. Ele sustenta que esta é a terceira onda da bebida no mundo.

Séculos depois de os árabes e africanos descobrirem a potência dos grãos de café, a primeira onda em nível mundial da bebida aconteceu na década de 1940. “Naquela época, as pessoas bebiam apenas pelo estímulo”, explica. Já em 1970, com a criação de redes como a Starbucks, houve maior popularização da bebida. Com a escolha dos grãos e a opção pelos baristas para dar um requinte, “houve uma melhora no consumo”, avalia. Mas, na busca por padronização, a torra era acentuada, reduzindo as particularidades de cada região.

“A torra é uma questão muito importante agora, na terceira onda”, afirma Brazza. Ele informa que atualmente há diferentes níveis para cada tipo de café. Outro aspecto de destaque são os métodos de preparo. “Aeropress, expresso, prensa francesa, há muitas formas de preparar a bebida, cada uma vai ressaltar características diferentes”, explica. O especialista lembra que “o coado também voltou com muita força”.

Consumidor amador do café, Neube Neto está atento a todas características. Ele se informa principalmente por meio da internet, das conversas com amigos também apreciadores da bebida e, claro, frequentando cafeterias.

Para ele, há dois momentos distintos para consumir café: em casa, o fotógrafo entende o evento como um hobby. Ele compra os grãos especiais e usa a prensa francesa para preparar a bebida. “Eu utilizei, durante uma época, a máquina de expresso, hoje uso a prensa francesa. Acho até um procedimento mais fácil e que mantém a qualidade”, diz. O segundo momento é o hábito de frequentar cafeterias. “Essas casas são uma rede em si. O Kalhúa é frequentado por poetas, escritores, artistas. Então, é esse lugar de encontro”.

Casal de baristas e youtubers fala para amantes do café

Casal de Baristas e youtubers fala para amantes do café. (Foto: Reprodução Youtube)
Casal de Baristas e youtubers fala para amantes do café. (Foto: Reprodução Youtube)

Pela internet Comandado pelo casal de instrutores da Academia do Café, Ivan Totti e Júlia Fortini, o canal “The Coffee Couple Brasil” acumula mais de 400 inscritos e caminha para alcançar 8 mil visualizações desde seu lançamento, em março deste ano, no Youtube. O alcance dos baristas é explicado pela crescente demanda de uma juventude interessada em aprender a preparar seu café alcançando melhores resultados. Nos dez vídeos disponíveis atualmente, há desde explicações sobre métodos de extração a depoimentos de amantes da bebida.

Potencial de sociabilidade

Muito mais do que apenas uma bebida, o café pode ser analisado sob o prisma do comportamento, pelo fato de estar no chamado éthos, o conjunto dos costumes e hábitos e da cultura. Em Minas Gerais, por exemplo, sorvê-lo com calma é uma característica atávica a quem nasceu no Estado. Prova disso é a fama, várias vezes reiterada, de que o mineiro é tão hospitaleiro que o café coado na hora sempre se faz presente para acompanhar as conversas – seja pela manhã, logo após o almoço, outra vez à tarde e, se duvidar, à noite. A bebida cria identidade e ajuda a estreitar laços.

Mas é bom dizer que nem todos são conquistados logo após o primeiro gole. Caso de Izabella Torres, 29. Para ela, nada de amor à primeira vista. A bebida foi ganhando a moça aos poucos, de visita em visita. A história da turismóloga com o café começou, na verdade, quando ela era uma estudante da UFMG.

Em um estágio obrigatório do curso de turismo, Izabella passou um mês estudando o potencial turístico de cidades adjacentes ao leito do Rio Doce. “Fizemos visitas em fazendas com todo tipo de produção”. E em meio a cachaças, rapaduras, queijos ou doces de tirar o chapéu, foi na bebida que ela encontrou unidade. “Dos ranchos mais opulentos aos mais humildes, em todo lugar que a gente foi, tínhamos que tomar café”.

Vamos entrar?

E era enquanto bebericava o café recém-passado pelos anfitriões que a conversa se desenrolava. “Era nessas horas que sabíamos as histórias. E, assim, descobri o potencial de o café fazer as pessoas interagirem”. Os grãos passaram, pois, a fazer a cabeça de Izabella, que, no trabalho de conclusão de curso, se voltou para eles. “Estudei o ‘evento café’ como momento de interação entre o visitante e o visitado”. Desde então, esporadicamente, ela faz cursos e, claro, explora sabores, origens, formas.

De tanto gosto, acabou tatuando a planta no braço. “Não só é uma bebida muito rica, com grande quantidade de aromas, torras, grãos; como também representa essa possibilidade, a de me descobrir no encontro com o outro”, justifica. De tanto gosto, Izabella não descarta se profissionalizar e atuar no setor cafeeiro. “É uma coisa que me fascina mesmo”, assume.

Gourmetização

É justamente no potencial de sociabilidade que está a força do café, acredita Ruimar de Oliveira, ou Rui, proprietário da cafeteria Kahlúa, situada no Centro de BH, e uma das mais tradicionais da cidade. Mas ele alerta que a gourmetização da bebida pode “enfraquecer” essa característica. “O café tem que ser para todo mundo. Então, vejo com receio isso, de aumentar assustadoramente o preço do produto e querer regular a forma de preparo e consumo”, diz, criticando o “excesso de nãos” em torno dos cafés especiais. “Querer estabelecer se pode ou não adoçar, em qual copo beber… Isso afasta as pessoas”, critica.

Apesar das ressalvas, Rui comemora o aumento do consumo de cafés especiais no país. Fenômeno que, para ele, se deve muito ao aumento de renda dos trabalhadores – mas ele pondera que a dilatação do mercado ainda é pequena frente ao potencial. E arrisca o palpite de que as pessoas passarão a consumir os especiais fora das cafeterias. “As pessoas estão passando a levar o café de origem, com certificação, para casa. Mesmo nos supermercados já se vê cafés de bandeiras diferenciadas”. Além disso, diz, o crescimento do número de visualizações na internet e o aumento da busca por cursos de baristas indicam que há esse “esforço doméstico”. Afinal, diz Rui, o “vamos tomar um café” é, na verdade, pretexto para “um momento genuíno de interação”.

Café sem eletricidade ou cápsulas

100% artesanal O financiamento coletivo foi a chave para custear a cafeteira Aram (permite fazer café semelhante ao expresso ou ao coado, de forma artesanal e sem eletricidade). Seu desenvolvedor, o juiz-forano Maycon Aram, havia estabelecido o mínimo de R$ 35 mil para criar e entregar o produto. Por fim, captou quase R$ 250 mil.

Vem mais por aí Mineiro radicado em Curitiba, Aram acredita que o sucesso se deve aos novos hábitos de consumo dos millennials, que “buscam um produto verdadeiramente artesanal”.

Há diversas formas de extração que fazem toda a diferença na hora de preparar a sua xícara de café

Prensa Francesa – Ainda é pouco conhecida no Brasil. Usa moagem mais grossa. O café fica denso, com a presença dos óleos essenciais, sedimentos e os aromas naturais.

Moka – Também chamada de cafeteira italiana, é popular em todo mundo. Para esta técnica, o ideal é o uso de moagem mais grossa. O resultado é uma bebida concentrada, próxima do expresso.

Chemex – Esta é outra forma de preparar o café coado. Nele, usa-se papel mais grosso e moagem média, garantindo uma bebida leve e aromática, sem deixar resíduos na xícara.

V60 – Técnica se diferencia do filtro comum pelo orifício maior e ranhuras que facilitam a circulação d’água. Usa moagem média. Acidez e doçura são evidenciadas por essa técnica.

Fonte: O Tempo – Semanário Pampulha (Por Alex Bessas)

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