É sabido que alguns produtores fornecedores de cafés especiais para a torrefadora illycaffè questionam “por quê” alguns cafés ofertados para a empresa são reprovados, já que estes cafés costumam ter pontuação alta na avaliação pela metodologia SCAA (Specialty Coffee Association of America). Este protocolo de análise foi criado pela SCAA para padronizar uma metodologia e foi adaptada daquela para avaliar o vinho. Atualmente é base de Certificação pelos EUA e visa avaliar essencialmente cafés especiais de alta qualidade. Foi baseada nos cafés de categoria lavados e hoje ainda se discute sua aplicação em cafés naturais.
A illycaffè utiliza uma metodologia de analise para café espresso que é diferente da metodologia SCAA. A fim de esclarecer a diferença na avaliação entre as metodologias, Dr. Aldir Teixeira, Regina Teixeira e sua equipe de degustadores Seniors Douglas Felix, Hobert Reis, Allan Monteiro e Kaique Lima degustaram vários cafés, reprovados e aprovados com aroma frutado pelos dois tipos de metodologias. As utilizadas foram: a adotada pela illycaffè (que inclui a prova de infuso e espresso) e a do protocolo SCAA. Na metodologia utilizada pela illy, o café é torrado na torra média, a mesma do produto final ao consumidor. O infuso (ou coado) é feito com 10 g de pó para 100 ml de água. Já o espresso é feito com 13 g de pó para 50 ml de água e extraído a uma pressão de 9 atm (o que torna a bebida bem mais concentrada). Na metodologia SCAA, a torra usada é mais clara e a infusão é mais diluída com 8,25 g de pó para 150 ml de água. Após as avaliações e comparações, Regina Teixeira comenta que a equipe chegou à conclusão já esperada e argumentada junto aos produtores e classificadores.
Em geral, a maioria destes cafés considerados bons e frutados na metodologia SCAA e que são reprovados na metodologia do espresso, são de cafés naturais (frutos secos por inteiro) que sofreram fermentação agressiva. Os cafés aprovados em ambas as metodologias SCAA e espresso, também com característica de frutados, são de cafés arábicas descascados, despolpados e mesmo naturais geralmente de altitude e bem preparados.
O limiar de percepção entre o sabor de uma fruta madura, que é muito bom, e de uma fruta passada, que é desagradável, é muito pouco percebido em cafés filtrados e na metodologia SCAA. Um café frutado que realmente é bom e um café frutado “passado” (fermentado) podem ter pontuação elevada, normalmente acima de 80 pontos, na metodologia SCAA. As características organolépticas com sabor de fruta doce e com mais acidez ficam muito próximas na degustação da infusão com torra clara e mais diluída. Entretanto, se tornam completamente distintas na degustação do espresso com torra média, sendo que o café frutado bom continua muito bom, mas o café frutado “passado” fica muito ruim, com gosto de fermentado forte e às vezes até gosto de “stinker” (mau cheiro), que é intragável.
Este sabor de “fruta passada” normalmente tem origem em cafés naturais mal preparados ou quando o fruto fermenta na própria árvore em condições climáticas desfavoráveis. Outra maneira de se induzir uma fermentação é quando os cafés cerejas maduros são colocados para secar no terreiro, sem um revolvimento constante, mesmo que em camadas muito finas. Dr. Aldir enfatiza que os frutos cerejas maduros deveriam ser exclusivamente para fazer os descascados (CD) e os frutos passas e secos colhidos da planta para o preparo de cafés naturais, que poderão dar excelentes cafés frutados sem fermentações agressivas. No preparo dos descascados, a recomendação é preservar a mucilagem para conferir mais doçura e corpo ao grão.
É importante lembrar que qualquer café posto para secar nos terreiros precisa e deve ser revolvido o dia todo sem parar, propiciando mais ventilação e menos calor, para evitar fermentação indesejável e um mau aspecto de seca. Alertamos que nos terreiros de secagem a temperatura poderá chegar facilmente a 60°C e matar o embrião, o que é um desastre para a qualidade.
No caso dos cafés descascados, a movimentação no terreiro também deverá ser constante, evitando uma secagem desigual e manchas internas de água que vão acelerar o desmerecimento e branqueamento dos grãos, com sérios prejuízos na qualidade. O sabor de madeira tem sua principal origem exatamente no excesso de água dentro do grão, que não foi retirada durante o processo de secagem. Isto acontece em secagens rápidas, com altas temperaturas e sem períodos de descanso. Outro motivo é de cafés que permaneceram com muita umidade (acima de 12%) no final do processo de secagem.
O produtor tem que tomar cuidado no preparo do seu café e ter em mente que, fazendo da forma correta, seu produto final poderá alcançar todos os nichos de mercado e comercializar facilmente todo o café preparado. Desde compradores e torrefadores que fazem cafés destinados para filtro, como por exemplo, café tipo americano (com torra mais clara) ou cafés tradicionais de coador, até os mais exigentes, como as torrefadoras, que destinam seus blends para o café espresso a consumidores do mundo todo, oferecendo um verdadeiro elixir de prazer.
Dr. Aldir acrescenta que induzir uma fermentação em cafés cerejas maduros, produzindo “microlotes” para mercados específicos, pode se tornar uma prática perigosa e uma verdadeira armadilha para o cafeicultor se produzir em grandes volumes. Este café fermentado e com seca irregular será difícil de vender.
Já o bom café arábica frutado, na maioria das vezes, tem sua origem “Terroir” por um conjunto de características, como a variedade, a localização geográfica, o clima, o tipo de solo, a altitude, a insolação e o bom preparo.
Regina Teixeira por fim compara o sabor do café com o das frutas e lança uma pergunta: quem gosta de um suco de laranja feito com uma laranja estragada? Ou ainda, comer um morango que já passou do ponto? Ninguém gosta de comer uma fruta e sentir aquele gosto de azedo desagradável na boca, apesar de ser doce. No café espresso a sensação é a mesma, quando feito com grãos fermentados. O sabor fica desagradável na boca e o retro-gosto pior ainda. Já um espresso feito com grãos perfeitos fica agradável na boca por um longo período, dando uma agradável sensação de prazer.
Os especialistas Aldir e Regina Teixeira terminam suas considerações solicitando aos produtores que produzam a menor quantidade possível de cafés fermentados para poder atingir o maior número de compradores de cafés especiais. Eles comentam que “existe gosto para tudo”, o nosso é de um bom café espresso com excelentes características organolépticas, bem seco, sem defeitos, que seja naturalmente doce, com acidez equilibrada, encorpado, com aromas não apenas de frutas, mas também florais, achocolatados, caramelados, amendoados e livre de resíduos. Este é o verdadeiro café que o consumidor “antenado” quer tomar nos dias de hoje: bom e saudável.
* Aldir Alves Teixeira, Doutor em Agronomia, e Regina Teixeira, bióloga, são pesquisadores da Experimental Agrícola do Brasil, empresa sócia da illycaffè
Fonte: ADS Comunicação Corporativa