Brasil: aqui se produz o melhor café do mundo

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Adotada por alguns produtores visionários, que trabalharam em parceria com a empresa italiana Illycaffè, esse cuidado relativamente simples após a colheita dos grãos ajudou o Brasil a dar início ao processo de modernização da cafeicultura nacional por meio da produção de cafés finos.

Tudo começou em 1991, quando a Illycaffè chegou ao Brasil buscando produtos para formar seu blend, elaborado a partir de nove tipos de cafés, provenientes da América Central, América do Sul, Índia e África. Quando aportou no país, no entanto, a empresa não encontrou o café com a qualidade que precisava para produzir seu blend, que fez da marca sinônimo de excelência. “Cerca de 70% dos grãos exportados do Brasil para a sede da torrefadora eram reprovados por excesso de defeitos”, lembra o agrônomo Aldir Alves Teixeira, diretor do laboratório que analisa os cafés adquiridos pela Illy no Brasil.

Foi por esse motivo que o proprietário da companhia, Ernesto Illy, desembarcou no país em maio de 1991 a fim de viajar pelo interior mostrando que existia um mercado disposto a pagar mais pelo produto superior. E, para promover a melhoria da qualidade no país, ele criou o Prêmio Ernesto Illy de Qualidade do Café para Espresso. Foi a primeira vez na longa história da cafeicultura brasileira que o grão deixou de ter valor de commodity e foi remunerado por sua qualidade.

Entre 1991 e 2011, centenas de produtores aderiram à cafeicultura superior e prêmios de qualidade como o desenvolvido pela Illy se espalharam pelo país, sendo o Cup of Excellence, promovido pela Brazil Specialty Coffee Association (BSCA) ou Associação Brasileira de Cafés Especiais, um dos mais importantes. Com a adoção de novas técnicas de manejo e o estímulo dos concursos de qualidade, os cafeicultores que iniciaram lá atrás a modernização de seus parques cafeeiros hoje estão produzindo grãos que se destacam entre os melhores do mundo. “Atualmente, o café brasileiro é o que tem maior percentual no blend da Illy”, conta Teixeira.

CARMO DE MINAS (MG) – O jovem Luís Paulo Pereira Dias Filho, cafeicultor de Carmo de Minas (MG), começou a investir em qualidade de maneira instintiva, quase inconsciente. “ Meu avô, Antonio Andrade Dias Pereira, me deixou experimentar o que eu queria em sua fazenda de café ”, diz. Com isso, antes mesmo de assumir os negócios da família, Dias Filho já tinha ideias sobre como aprimorar a produção de café. “A fazenda foi um verdadeiro laborátorio, e quando, aos 17 anos, comecei a trabalhar com cafeicultura, já conhecia o segmento. Essa liberdade que meu avô me deu foi fundamental em minha formação”, diz o cafeicultor, que atualmente preside a BSCA.

Dias Filho tem 30 anos e é o presidente mais jovem da entidade. Apesar de não ter uma trajetória tão longa, ele soube, como poucos, aproveitar bem o tempo. Assim que começou a trabalhar com o pai, resolveu visitar outros estados produtores de café, a fim de comparar o trabalho de sua propriedade com o de outras fazendas brasileiras. Foi assim que descobriu a necessidade de se descascar o café. “Mas convencer meu pai de que isso iria nos trazer mais qualidade levou tempo, afinal, ele é um mineiro bastante conservador”, diz.

Após muita conversa e ainda com certa desconfiança por parte de seu pai, Dias Filho comprou, em 2002, as primeiras máquinas para descascar café. O resultado apareceu em seguida: já em 2004 ele iniciou as vendas externas para Japão e Estados Unidos. Nesta época, ele estudou profundamente o mecanismo de funcionamento dos mais importantes mercados consumidores do mundo. Após essa imersão, Dias Filho entendeu que era hora de conhecer outros países produtores do grão. Foi então que viajou para Colômbia, México, Costa Rica e Panamá. “Na Costa Rica está a maior produtividade média do mundo. Lá, as podas são muito boas e a renovação do parque cafeeiro é feita anualmente”, conta o produtor.

A experiência mais marcante dessa viagem, segundo o produtor, foi verificar que a colheita nos países da América Central é feita de maneira seletiva. “Como eles têm boa oferta de mão de obra, a colheita é realizada diversas vezes e os colhedores recolhem apenas os frutos maduros. Isso faz uma grande diferença, pois os cafés verdes (ardidos) não se misturam aos cafés bons”, diz. Apesar de implicar em aumento do custo de produção de sua propriedade, Dias Filho decidiu adotar o sistema de colheita seletiva. Talvez ele seja o único que colhe o café no Brasil com esse tipo de cuidado. “O resultado compensa. Enquanto o mercado trabalha com a saca do café convencional cotada a R$ 500, nossa produção de cereja descascado é vendida a R$ 700”, conta.

Para exportar o café da família – que quase integralmente atua na atividade –, ele montou junto com um primo a Carmo Coffee Exportadora. Em 2008, os dois jovens, que já vendiam seu café no Japão, Canadá, EUA e Europa, foram procurados pela Empresa Interagrícola, dos irmãos Esteve, que estava interessada em assumir 50% da exportadora. “Foi uma parceria que nos deu mais credibilidade no mercado, pois passamos a estar vinculados a uma importante trading”, diz Dias Filho, que hoje já tem contratos de exportação firmados até a safra de 2013. No ano passado, a Carmo Coffee comercializou 40 mil sacas de café, das quais 25 mil eram de cafés especiais. “O padrão de exigência de nossos importadores é tão grande que está nos ensinando a melhorar. Hoje, fazemos marketing de maneira profissional, trabalhamos com embalagens luxuosas e evoluímos do padrão de prova para descobrir os defeitos do café para um padrão que define as qualidades do produto”, avalia Dias Filho. Além dos cuidados na colheita, o pós-colheita também recebe atenção especial. “Depois de colhido, classificamos nosso café em cinco lotes”, conta.

PATROCÍNIO (MG) – Já o produtor José Carlos Grossi, que mantém propriedades em Patrocínio (MG), no Cerrado mineiro, tem uma longa história na produção de cafés finos. Ele é um dos mais antigos fornecedores da Illy no Brasil e começou a vender seu produto para a torrefadora italiana há exatos 20 anos. A longa parceria confere qualidade à produção de Grossi, que chegou ao Cerrado mineiro em 1972 com o desafio de plantar café numa região conhecida pela pobreza do solo. O engenheiro agrônomo, à época recém-formado, trabalhou meses na recomposição da fazenda de 500 hectares que comprou até conseguir se destacar como produtor de café de alta qualidade e colocar o Cerrado na rota dos cafés especiais.

Foram quase 40 anos dedicados à cafeicultura brasileira, um trabalho que rendeu fama e notoriedade a Grossi, hoje o único brasileiro que participa de um estudo sobre a sustentabilidade da atividade cafeeira, realizado pela Illycaffè em parceria com a Universidade de Oxford, na Inglaterra. O foco do estudo é a análise das diferenças entre os três principais sistemas de produção de café arábica: Brasil, América Central e Índia.

O trabalho, inédito, tem como objetivo criar um modelo inovador para avaliar a sustentabilidade dos diferentes sistemas de produção de café. A propriedade de Grossi participa do estudo como exemplo de uma cafeicultura intensiva moderna. Pesquisadores envolvidos no projeto acreditam que os resultados podem orientar investimentos na estrutura produtiva do café, bem como ajudar a desenvolver uma cafeicultura sustentável a partir de cada estratégia de produção.

Grossi se orgulha de poder servir à ciência. Ele mesmo, desde que começou na atividade, realiza pesquisa de campo em suas propriedades para testar novas variedades de café que sejam adaptáveis ao clima e ao solo do Cerrado. Parte da qualidade de seu produto é atribuída às condições climáticas da região, favoráveis ao cultivo do grão. “Estamos a uma altitude de 950 metros e aqui a diferença entre as temperaturas do dia e da noite é grande, o que contribui para formar a acidez, o corpo e o sabor do café”, diz Grossi. Além disso, os cuidados no pós-colheita são fundamentais para a produção de um café de alta qualidade. Depois da colheita, o café é preparado no mesmo dia e os grãos especiais são separados. Na fazenda de Grossi, a colheita é quase integralmente mecanizada. “Já estamos colhendo 80% de nossa produção com máquinas”, diz o cafeicultor, que estima uma safra de 70 mil sacas de café em 2011, das quais 40% serão de cereja descascado. Além de fornecer parte de sua produção para a Illycaffè, ele montou uma exportadora que comercializa cerca 80 mil sacas de café por ano para Japão, EUA e Europa. “Compramos somente café do Cerrado mineiro, que deve colher uma safra de 4,2 milhões de sacas neste ano”, diz. A região conta com o maior número de fazendas certificadas no Bra sil na produção de cafés diferenciados com indicação geográfica e acaba de ganhar um direcionamento estratégico que enfoca a origem do café do Cerrado.

PIRAJU (SP) – O produtor Carlos André Dognani, de Piraju (SP), é o mais novo nome na lista da cafeicultura superior. E ele não só surpreendeu todo o setor ao vencer a 20a edição do Prêmio de Qualidade Illycaffè com seu café produzido em São Paulo. Ele também se surpreendeu com o feito. “No dia da premiação, quando eles começaram a anunciar os vencedores do décimo prêmio para o primeiro, jamais achei que fosse vencer, pois, entre os 50 finalistas, apenas três eram de São Paulo e dois foram anunciados logo no início. Quando chegaram à primeira colocação, não acreditei quando ouvi meu nome”, conta o cafeicultor, que é de família com tradição no segmento. “Meu bisavô já produzia café, e as gerações seguintes foram melhorando as práticas agrícolas e expandindo a área”, diz Dognani, que mantém 2 milhões de pés de café na propriedade de Piraju.

A região que surpreendeu no concurso da Illycaffè deste ano foi, durante muito tempo, reconhecida como uma área que produzia café de padrão ruim, mas a melhoria nos tratos culturais e no pós-colheita ajudou a elevar a qualidade das fazendas locais. “Além disso, o clima mais seco que o normal registrado em 2010 favoreceu a colheita e o pós-colheita”, conta Dognani, que, pela primeira vez, enviou uma amostra para a Illy de seu café cereja descascado. Em 2000, o cafeicultor tentou vender sua produção para a torrefadora, mas não conseguiu. “Sinto muito orgulho em vencer o concurso neste ano e ser aceito pela Illy”, comenta. Desde que começou na atividade, o cafeicultor segue o conselho básico de seu pai: planta café todo ano.

“Expandimos tanto aqui nessa região como para outros estados”, afirma. Apesar do contínuo crescimento, Dognani admite que a cafeicultura permaneceu por cerca de oito anos sem remuneração. “Aprendemos a diversificar e hoje temos 2,5 mil hectares de soja, 500 de eucalipto e 4 mil cabeças de gado, além do café”, conta o produtor, que estima uma colheita de 20 mil sacas de café para este ano, período em que centenas de pés de café entram em produção.

A modernização da cafeicultura brasileira está gerando resultados no varejo. De acordo com estimativas da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), as vendas de cafés especiais crescerão 15% neste ano, para cerca de 900 mil sacas. “Hoje, existe grande profusão na demanda de cafés finos no Brasil e o crescimento no país supera o desempenho mundial, da ordem de 10% ao ano”, avalia Nathan Herszkowicz, diretor da Abic. Levantamento da associação aponta a existência de 50 mil panificadoras e 3 mil casas de café no país. “Em todos houve melhora na qualidade do café servido”, diz Herszkowicz.

Nas casas de café, o consumidor pode, inclusive, provar grãos que venceram concursos de qualidade. Na Suplicy Cafés, de São Paulo, é possível degustar, além dos cafés das origens sul de Minas Gerais, Cerrado mineiro, montanhas do Espírito Santo e mogiana paulista, quatro novos microlotes de cafés que foram premiados em concursos: São José, São Benedito, Terra Nova e Santa Alina. “Percebemos que a demanda por esse tipo de produto começou a crescer há dois anos”, avalia Marco Suplicy, proprietário da marca. As compras de microlotes premiados, que no ano passado somaram 15 sacas, neste ano já atingiram 46. “Trata-se de um mercado que se consolida a cada ano. Há dez anos, não havia nenhuma marca de café gourmet no mercado nacional”, diz Herszkowicz.

Fonte: Portal do Agronegócio

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