Pandemia reduziu em mais de 70% vendas do setor de cafés especiais

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Georgia Franco diz lembrar bem onde estava quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu oficialmente que a expansão do novo coronavírus pelo mundo se tratava de uma pandemia. Dona de uma cafeteria voltada para bebida de alta qualidade, no bairro do Batel, em Curitiba (PR), ela conta que participava de um evento em Minas Gerais.

“Eu fui palestrante, falando como comprador. Quando voltei de lá, já estava aquela confusão no aeroporto. A primeira coisa que me veio na cabeça foi me preocupar com os parceiros. Nós, do varejo, somos o último elo da cadeia produtiva”, explica a empresária.

Ela é proprietária da Lucca Cafés Especiais, empresa que fundou há mais de 20 anos com o marido. Ela é responsável pela área de compra, torra e qualidade. Além da cafeteria na capital paranaense, onde atende o público em geral, a empresa dá cursos e tem uma torrefadora, pela qual fornece café de alta qualidade para pessoas jurídicas.

Em 2019, a Lucca havia registrado seu melhor ano, conta a empresária, com crescimento de 15% em relação ao anterior. A tendência continuou em janeiro e fevereiro. Mas veio a pandemia, com as determinações de quarentena e medidas de distanciamento social. E, a partir de março, ocorreu o que Georgia chama de “virada negativa”.

“O impacto foi muito grande. No mês de março, que tivermos dez dias, faturamos o normal, depois foi diminuindo”, lamenta a empresária, que seguiu vendo os negócios retraírem em abril.

A situação é reforçada pelos números da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA, na sigla em inglês). Levantamento divulgado no final de abril apontava uma queda média de 76,25% nas vendas do segmento, composto em grande parte por micro e pequenas empresas. Muitas, segundo a entidade, concederam férias ou aderiram às medidas de reduções de salário e de jornada anunciadas pelo governo.

A Lucca Cafés Especiais implantou algumas ações. Os cursos foram interrompidos. Funcionários que integravam os grupos de maior risco para a Covid-19 foram colocados em férias. Com parte dos trabalhadores em home office, o fornecimento de café para empresas também caiu. De outro lado, explica Georgia, veio um alívio, com a renegociação, por exemplo, de contratos de aluguel.

Outra saída foi recorrer a crédito, com prazo de cinco anos para a quitação. Segundo Georgia, a resposta veio só depois de 45 dias. Mas ela diz que ainda não tomou uma decisão por avaliar que as taxas de juros estão muito altas, acima dos 12% ao ano. Afirma que terá de recorrer ao financiamento, mas estuda outras opções.

“As taxas de juros ainda são muito altas para os pequenos, é muito para uma Selic de 3%”, diz, lembrando do atual patamar da taxa básica de juros da economia brasileira. “Vamos aceitar porque não tem outro jeito”, lamenta.

Área de torrefação da Lucca Cafés Especiais. Negócios da empresa foram impactados pela pandemia de coronavírus (Foto: Divulgação/Lucca Cafés Especiais)

E-commerce e venda direta

Ainda conforme o estudo da BSCA, em função das medidas de distanciamento social, as vendas via internet ganharam mais força. De acordo com a entidade, alguns de seus associados chegaram a reportar aumentos de até 49%. Outros disseram até mesmo ter dobrado. A associação até montou uma lista com contatos de e-commerce. Mas pondera que não é suficiente para compensar a diminuição de movimento nas lojas físicas.

A loja virtual da Lucca Cafés Especiais tem oito anos, conta Georgia. O que antes era mais um canal de vendas ganhou novo impulso, vendendo no sistema de entrega o pacote de café em grão para os clientes, mas não a bebida pronta.

Em maio, a expectativa da empresa era um pouco melhor que a de abril. Ainda assim, longe do habitual. Com a cafeteria aberta, embora com um número menor de lugares disponíveis para os clientes, o e-commerce e a venda de pacotes de café na própria loja para quem consome em casa, a projeção era faturar 30% do normal para essa época.

Georgia afirma que o resultado do mês passado ficou dentro do esperado. Segundo ela, a aposta no comércio via internet surtiu efeito. E a comercialização direta na loja dos pacotes de café para viagem foi semelhante aos níveis pré-pandemia. O que, no fim das contas, acabou sendo um sinal positivo do mercado, em sua visão.

“Nossa preocupação era conseguir vender. E graças à nossa divulgação, o cliente está sentindo a segurança de ir à loja e comprar o pacote para tomar em casa. Foi ver a luz no fim do túnel. Um sinal de que a gente não perdeu o mercado que demorou tanto para criar”, diz.

Embora fale em um cenário mais positivo que o de meses atrás, ela pondera que a incerteza não acabou. Funcionários afastados do trabalho estão retornando e a empresa se comprometeu a não demiti-los. Mas a expectativa ainda é de faturamento abaixo do normal.

“Fomos muito ágeis para fazer o que dava e segurar custos. Reduzimos o custo porque o governo bancou. Agora, a gente volta com a equipe completa e não vai ter o faturamento total ainda. Vamos ter que aprender a dançar essa música”, pontua.

Efeito sobre produtores

O levantamento da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) alerta que a situação vivida pelo varejo pode refletir nos produtores de café. Conforme os dados divulgados no final de abril pela entidade, pelo menos 70% dos pesquisados informaram não ter como adquirir a produção da safra deste ano.

Georgia Franco pontua que investiu em grandes estoques, considerando a perspectiva favorável que tinha no começo de 2020. E depende de capital de giro para adquirir o produto que venderá mais para frente. “A gente vende do café da safra”, explica. “Tenho bastante estoque e vou fazer de tudo para vender por um bom preço e ter giro para comprar a safra que vem”, acrescenta.

Ela ressalta que, no segmento de cafés especiais, a interdependência entre os integrantes da cadeia é um fator bastante importante. Afirma que os fornecedores de quem adquire o café têm demonstrado ciência da situação e garantido prazo maior para pagar as compras da safra nova, o que, segundo ela, é uma ajuda.

“Eles estão solidários. Tivemos muitas respostas positivas. Os pequenos são aqueles que estão mais preocupados. O grande vai conseguir exportar, mas o pequeno consegue preços melhores no mercado interno”, explica Georgia.

Fonte: Revista Globo Rural (Por Raphael Salomão)