O Brasil precisa aprender a vender, diz presidente da Câmara Brasil-China

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Raphael Salomão / Revista Globo Rural

O Brasil tem na China seu principal parceiro comercial, mas ainda não sabe vender para lá, avalia Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, entidade fundada em 1986 para promover as relações entre empresas e governos dos dois países. “Os chineses aprenderam a tomar café suíço e americano, suco de laranja europeu”, diz ele.

Em entrevista à Globo Rural, Tang avalia que a postura do governo Bolsonaro em relação à China está mudando, depois de declarações “não muito agradáveis” sobre o país. Para ele, o apoio do Brasil à candidatura chinesa à direção-geral da FAO, órgão da ONU para agricultura e alimentação, foi um gesto importante.

Na visão de Tang, o agronegócio brasileiro tem oportunidades a aproveitar na China. O país precisa importar alimentos para garantir a segurança alimentar, que ficou mais em risco depois da epidemia de peste suína africana em seus plantéis.

GR O senhor tem dito que o Brasil precisa aprender a vender para a China. O que leva o senhor a crer que o Brasil não sabe vender?
Charles Tang Em 2002, a Câmara Brasil-China fez a primeira feira de promoção comercial brasileira depois de 18 anos sem esse tipo de evento na China. Durante esse tempo, a China saiu da pobreza e começou a entrar na prosperidade. Os chineses aprenderam a tomar café suíço e americano; tomam suco de laranja europeu, que não planta laranja. Nem Suíça nem Estados Unidos plantam café. Comem castanha-de-caju americana, que não planta caju, e compram móveis finos da Itália, de couro e madeira, um país que não tem couro e madeira. Você entra num supermercado hoje na China e encontra vinhos de todos os países, menos do Brasil. Por que a Colômbia é sinônimo de café e não o Brasil? O brasileiro tem de ser mais agressivo para vender a imagem e os produtos do país. A China exportou 130 milhões de turistas no ano passado. Quantos recebemos no Brasil? Cada turista chinês gasta mais que o americano. Falta promoção. Os chineses estão cansados de ir para Paris, Nova York, Londres. Querem coisas diferentes. Imagine um turismo para visitar aldeias indígenas, fazendas, florestas, pesca. Não precisa ser nos centros urbanos mais violentos. O Brasil tem de aprender a vender seus produtos e sua imagem.

GR Mas, ainda assim, a China é o principal parceiro comercial do Brasil. Onde estão as oportunidades para o agronegócio?
Tang No caso da soja, é uma necessidade básica da China. Eles vieram ao Brasil e compraram. Há oportunidades em vinho e frutas. Acho que o Brasil produz tanta fruta e tem excelentes vinhos. Quando se fala em vinho, pensam no Chile. Têm de pensar também no Brasil.

GR Existe mais espaço para o agronegócio na China?
Tang Sem dúvida alguma. Com a crise da peste suína, a China tem de importar muito suíno. E também para completar as proteínas de que ela necessita. Foi abatido metade do rebanho suíno e o mundo não consegue fornecer tanta carne suína para a China, que tem de importar mais carnes de aves, bovinos, pescados. O Brasil também pode ser um grande exportador de peixe. A criação de peixes em cativeiro no Brasil está crescendo. Na agricultura, tem de focar muito em aumentar a produção e a exportação para a China. O Brasil reúne muito mais condições do que a China ou Japão para ser uma superpotência econômica. A China tem de importar comida, importar petróleo. O Brasil é autossuficiente em tudo. Em 1974, quando o Brasil reatou as relações com a China, o país era mais ou menos cinco vezes mais pobre que o Brasil e hoje é mais ou menos nove vezes mais próspero que o Brasil. Por quê?

GR Como a China vê o Brasil e o que procura aqui?
Tang A China precisa ter acesso à fonte dos recursos estratégicos de que necessita para seu desenvolvimento sustentável, para a segurança alimentar do seu povo. Claro que tem Austrália, África, Argentina. Mas o Brasil é um parceiro estratégico. Tanto é que, com a guerra comercial entre Estados Unidos e China, o Brasil vendeu 90% da sua exportação de soja para a China e teve um superávit de US$ 29,5 bilhões, nas suas trocas com a China. Eu acho que vai ter um acordo porque essa guerra comercial está machucando os americanos e os chineses. Se tiver esse acordo, logicamente a China vai ser obrigada a comprar muito mais dos Estados Unidos e vai comprar menos do Brasil.

GR Como essa necessidade de acesso a recursos se traduziria em investimentos da China no Brasil e em que segmentos?
Tang Na própria agricultura, ela foi proibida. Quando a AGU (Advocacia-Geral da União) no governo Luiz Inácio Lula da Silva proibiu a compra acima de 5 mil hectares de terra por estrangeiros, só serviu para proibir a entrada de uns US$ 100 bilhões em investimentos na agricultura brasileira e nossos vizinhos ficaram felizes com nossa gentileza de rejeitar tanta riqueza.

GR Mas há outros segmentos de interesse da China no Brasil…
Tang A China está investindo maciçamente no Brasil. Em função da Lava Jato, viu oportunidade para entrar no mercado de infraestrutura, que, antes, era dominado pelas grandes empreiteiras e nenhum estrangeiro tinha muita chance. A China investiu maciçamente em energia, na exploração e produção de petróleo. Os investimentos chineses já estão ajudando muito a infraestrutura brasileira. A China tem uma visão do mundo completamente diferente. Não manda fuzileiros navais. Manda empresários, executivos para fazer comércio e investimentos. A China ganha fazendo a infraestrutura e exportando os equipamentos e o país ganha tendo a infraestrutura que é base para seu desenvolvimento.

GR Entre a transição e o início do governo atual do Brasil, foram feitas algumas declarações sobre a China. Como avalia essa relação diplomática?
Tang Essas declarações controversas são coisas do passado. Acho que o próprio presidente Bolsonaro reconhece a importância da China para o Brasil. Toda a equipe dele falou. O general Hamilton Mourão (vice-presidente da República) fez uma visita de grande sucesso na China. Todo mundo entendeu. Eu falei durante a campanha do presidente Bolsonaro, quando ele fazia comentários nem sempre muito agradáveis em relação à China, que o dia em que ele assumisse, iria ver que os interesses nacionais é que valem. Mais que os pontos de vista pessoais. Como ele aceitou visitar a China, tenho certeza de que vai voltar com uma ideia completamente diferente da que ele tinha quando fazia essas declarações.

GR O apoio do Brasil ao candidato chinês (Qu Dongyu), que foi eleito diretor-geral da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), foi um avanço?
Tang É uma clara demonstração de que a parceria é estratégica, comercial, a aliança é estratégica e comercial. Essa aliança dos dois gigantes continua crescendo e cada vez mais vai crescer.

GR Mas, de outro lado, a China também adotou medidas: salvaguardas sobre o açúcar brasileiro, por exemplo; anti-dumping sobre o frango. Isso também não atrapalha uma via de mão dupla?
Tang Eu acho que a visita da nossa competentíssima ministra da Agricultura (Tereza Cristina) à China foi um grande sucesso também. Tenho certeza de que muitos desses problemas estão sendo resolvidos.

GR Então sua expectativa é otimista para o fortalecimento das relações Brasil-China?
Tang Sem dúvida. É uma parceria de dois gigantes em uma estratégia para a prosperidade.

Reportagem publicada originalmente na edição de julho da Revista Globo Rural.

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