Trabalho em grupo transforma a vida de cafeicultores no ES

Imprimir

A fundação de uma associação mudou radicalmente a vida dos produtores de café do Espírito Santo. Com o trabalho em conjunto eles conseguiram superar vários problemas da comunidade. [VEJA VIDEO DA MATÉRIA NO FINAL DA PÁGINA. AS DUAS MATÉRIAS ESTÃO EM UM ÚNICO VÍDEO]

A paisagem do sul do Espírito Santo combina muitas montanhas e vales bonitos, pedras imensas e cachoeiras. A comunidade Palmeiras, cujo nome vem das palmeiras que dominam o morro, fica no município de Mimoso do Sul, perto da divisa com o Rio de Janeiro. O lugar, formado por 40 famílias, se destaca pelo plantio de banana e, principalmente, pelas lavouras de café conilon, produto mais importante da região. As áreas de cultivo são pequenas e variam de três a cinco hectares.

O agricultor José Cláudio Carvalho e a esposa, Rosa Machado, nasceram e cresceram na comunidade. “A nossa história de comunidade tem uma transformação muito grande. No passado era muito difícil. Trabalhava-se, mas tinha pouca renda. A gente trabalhava de forma e desorganizada e não tínhamos produtividade”, diz.

As transformações em Palmeiras começaram em 1991, ano em que um madeireiro de fora da cidade comprou um lote de terra e começou a cortar árvores no alto do morro. O desmatamento, que colocava em risco as nascentes e os rios da comunidade, gerou uma reação. “Imediatamente nós nos unimos, fizemos um abaixo-assinado e tentamos envolver orgãos que pudessem nos ajudar. Em uma semana, nós conseguimos impedir a derrubada”, diz o agricultor Juvanildo Machado.

Além de salvar as nascentes, a reação dos agricultores marcou uma mudança de atitude. Primeira vez, eles agiram em grupo. No início, a associação, fundada em 1992, enfrentou dificuldades. Como a experiência era nova, muitas pessoas desconfiavam desse trabalho. Aos poucos, com muitas conversas, acertos e erros, as reuniões foram ficando cheias e o resultado apareceu.

Na primeira mudança, os agricultores começaram a trabalhar nas lavouras em um esquema de mutirão. No trabalhando em grupo os vizinhos não precisavam mais gastar com mão de obra na hora da colheita.

Motivados pelo novo ambiente de trabalho, os agricultores decidiram resolver a questão da baixa produtividade das lavouras de café, outro problema sério da comunidade. Para isso entraram em contato com entidades de pesquisa e assistência técnica da região.

O primeiro socorro veio do Incaper, um órgão do estado do Espírito Santo. Os agricultores passaram a receber visitas regulares de agrônomos e técnicos. Foi uma fase de aprendizado. Naquele tempo, as lavouras eram antigas e pouco adensadas. As plantas tinham muita praga e davam pouco café.

As melhorias causaram uma disparada na produtividade das lavouras. Antes, os agricultores não colhiam mais do que dez sacas por hectare. Hoje, a colheita, na mesma área, passa facilmente de 70 sacas.

As primeiras conquistas ligadas à associação foram tão positivas que acabaram mudando o ânimo de toda a comunidade. Muitos jovens agricultores, que já tinham largado o estudo, resolveram voltar para a escola e se formar no ensino médio.

Associação ajuda a melhorar renda

As mudanças introduzidas pela associação de Palmeiras, no sul do Espírito Santo, foram decisivas para melhorar a renda e qualidade de vida da comunidade. Esse trabalho também tirou da pobreza dezenas de famílias de pequenos agricultores.

Uma das maiores dificuldades dos agricultores de Palmeiras era vender bem a produção de café. Cada família comercializava as suas sacas por conta própria. Como o volume era pequeno, os atravessadores desvalorizavam o grão. A virada começou quando a associação entrou em contato com o Cetcaf, Centro Tecnológico do Café, uma organização não governamental que faz pesquisa e transferência de tecnologia. O objetivo era montar uma unidade moderna de beneficiamento que permitisse tanto o trabalho em grupo quanto a melhoria da qualidade do café.

Com o projeto do Cetcaf e apoio da cooperativa local, a beneficiadora saiu do papel em 2006. Os equipamentos foram todos doados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Entre a aparelhagem está a máquina que faz a seleção dos grãos. O produto é lavado e passa por esteiras e peneiras. No final, é separado em três categorias.

O agrônomo Marcos Teixeira explica que, depois da divisão, cada lote de café deve seguir, separadamente, para o tambor giratório, onde ocorre a secagem dos grãos em cerca de 36 horas, o que é ótimo para a qualidade do produto. Na sequência, o café da comunidade passa por um equipamento que retira uma película fina que envolve o grão. No final, é só ensacar.

A venda do café também passou a ser feita de maneira coletiva, o que garante preços melhores. Além do ganho extra pela qualidade, o agricultor José Cláudio Carvalho diz que, de uns anos pra cá, o café da comunidade passou a ser exportado para a Europa com um selo social, o que aumenta ainda mais o preço do produto.

O chamado fair trade, que quer dizer comércio justo ou comércio solidário, foi conseguido em um projeto da Cafesul, a cooperativa da região. Para manter a distinção, os agricultores têm que manter crianças na escola, seguir leis do trabalho e respeitar a natureza.

A associação também resolveu diversificar e apostar em novas fontes de renda para a comunidade. Nesse caminho, a ferramenta fundamental, mais uma vez, foi o conhecimento. As agricultoras da comunidade começaram a fazer cursos de industrialização caseira. A ideia é produzir pães, bolos, geleias e doces de maneira profissional.

A economista doméstica Eliana Cabral é instrutora do Incaper, Instituto Capixaba de Pesquisa e Extensão Rural. “É fundamental dentro de uma propriedade rural a diversificação. No ano em que o café não dá um preço muito bom, eles têm a agroindústria e a fruticultura”, diz.

A agricultora Rosa Machado, esposa do José Cláudio, resolveu apostar na fabricação de pães. No começo, ela fazia tudo na cozinha de casa. Mas como o negócio cresceu, o casal resolveu construir uma mini-indústria bem equipada.

Os agricultores de Palmeiras também fabricam biscoitos e bolos, polpa de fruta, doces variados. Além de vender a produção em feiras e mercados locais, a comunidade também conta o PAA, Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar. O projeto, mantido pelo governo federal, garante a compra de produtos de pequenos sitiantes em todo o Brasil. Atualmente, o programa público compra, por ano, R$ 85 mil em produtos da comunidade.

Ao longo dos anos, os agricultores da associação não investiram apenas em atividades produtivas, como agricultura e agroindústria. A comunidade também resolveu se envolver com outras mudanças de comportamento ligadas ao meio ambiente e à qualidade de vida.

O trabalho regular de coleta do lixo deixou as propriedades da comunidade mais limpas e arrumadas. Todo material recolhido e vendido para um centro de reciclagem transforma-se em fonte de renda. O dinheiro é aproveitado em projetos da associação ou em melhorias para a comunidade.

Outra mudança fundamental foi resolver o problema do esgoto doméstico. Até alguns anos, todo material que saia das casas dos agricultores era despejado no rio da comunidade. A solução veio com a construção de fossas sépticas nos 40 sítios de Palmeiras. O projeto foi pago pela Fundação Banco do Brasil, outra entidade pública atraída pela associação. Circulando por caixas enterradas, o esgoto é filtrado e passa por um tratamento. O líquido que sai no final é uma água meio amarelada que tem 95% de pureza.

Crianças com computadores é outra cena que se tornou corriqueira na comunidade. A sala de informática, inaugurada em 2009, é o resultado da capacidade dos agricultores de aproveitar oportunidades e projetos disponíveis para quem vive no campo.

As melhorias na educação, no meio ambiente e nas atividades produtivas deram ao pessoal de Palmeiras uma vida com mais dignidade e mais conforto. Nos últimos quatro ou cinco anos, quase todas as casas foram reformadas, ampliadas ou até reconstruídas do zero. As famílias, que no passado eram pobres, contam com móveis, eletrodomésticos e equipamentos modernos. Já tem até agricultor com piscina do lado da roça.

Somando café, banana, agroindústria e outras fontes de renda, cada família da comunidade consegue atualmente uma renda média líquida de cerca de R$ 2,5 mil por mês, descontados os custos de produção.

Além da força de vontade, um dos segredos desse trabalho é que os agricultores souberam aproveitar oportunidades e projetos que estavam disponíveis na região.

Fonte: Globo Rural

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *