Revista Globo Rural: A arte do café

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Davi Antonio Teixeira, degustador de café (Foto: Ernesto de Souza/Ed. Globo)

São duas da tarde de uma segunda-feira. O Porto de Santos (SP), como sempre, está muito movimentado. Diversos produtos entram nos navios para alcançar mercados mundiais. Enquanto isso, em um pequeno escritório próximo à Bolsa do Café, na Rua 15 de Novembro, no centro da cidade, Davi Antônio Pinto Teixeira chega para mais um dia de trabalho. Mãos firmes, visão precisa, olfato aguçado e paladar apurado. São essas as qualidades que Davi utiliza há 70 anos para degustar e classificar os grãos de café brasileiros que ganharão o mundo.

Davi é o filho mais velho de uma família de quatro irmãos. Seu pai era pedreiro, mas em 1943 – época da Segunda Guerra Mundial –, não havia muitos serviços em um país ainda quase totalmente agrário. O primogênito de dez anos teve, então, que abandonar as peladas de todas as tardes para lavar louças no laboratório de classificação estadunidense Leon Israel Agrícola e Exportadora. Logo, o garoto já identificava o aroma de cada tipo de café. “O café é totalmente místico. Ele se transforma dependendo do ambiente, da torra, da água e da colheita”, explica Davi.

Depois de três anos, o talento do jovem adolescente já era reconhecido. O chefe da cozinha da empresa – um italiano que esteve em combate na Guerra – propôs um desafio ao garoto. Toda noite, eles checavam se as anotações de Davi correspondiam às classificações dadas pelos degustadores ao longo do dia. Não deu outra: a habilidade estava comprovada. Ele, então, foi promovido a ajudante do ajudante do classificador. “Nessa época, já consegui identificar, distinguir e dar a qualidade de cada grão”, conta. Foi quando a paixão começou.

Com sete anos de trabalho, mas apenas 17 de idade, Davi tornou-se o terceiro degustador da empresa. O próximo emprego foi na Volkart Irmãos Ltda, como principal classificador. Por volta de 1953, Davi criou o café fino Alpha, de blend 17/18. “Junto com outras pessoas, criei um café de sucesso que até hoje é exportado para a Itália”, relembra com orgulho. A bebida é doce com um leve gosto cítrico e, às vezes, apresenta um aroma floral.

Análise do café na sala de degustação (Foto: Ernesto de Souza/Ed. Globo)

Davi ainda trabalhou como gerente de uma corretora, onde identificava a qualidade do café para comercialização. Cansado do turno de doze horas, ele voltou para a velha paixão: há 24 anos, degusta café na Wolthers & Associates. “Nós aqui damos atenção ao que poucos dão valor: o amargor do café”, conta, ao explicar que quanto maior o amargor, menor é a qualidade do café. Davi diz que até hoje se surpreende com os diferentes aromas que o café possui. Confira abaixo o vídeo, em que o degustador mais experiente do Brasil fala mais sobre a sua arte.

A primeira parte da degustação é a análise física, onde são separados 300 gramas de café e feita a classificação do grão. Com o tato é possível perceber a umidade do café, que deve estar entre 11,5 e 12%. Quanto mais velho for o café, mais seco ele é. Já quando o grão está mais úmido, ele pode acabar fermentando durante o armazenamento, diminuindo a qualidade do aspecto da bebida. A peneiração separa os grãos por granulação, isto é, o tamanho. “Geralmente, os grãos graúdos são mais valorizados”, explica Davi.

Grãos separados na sala de prova (Foto: Ernesto de Souza/Ed. Globo)

Mesmo nesta primeira etapa, já é possível perceber alguns defeitos do café, tais como verdes, quebrados, brocados, chuvados ardidos e pretos, sendo este último o de maior peso na tabela de classificação. “Um café comercial pode ter até 360 defeitos”, explica Davi. Já um gourmet não pode ter mais de quatro. Com o número de defeitos e com a tabela de classificação oficial do café (COB) é possível determinar o tipo do café: de 2 a 8.

Já a pontuação do grão só é feita após a degustação. Primeiro, 200 gramas são separados para torrar. Essa torra é mais clara, conhecida como tipo americana. A granulação também é diferente da preparada para o consumo: são 14 partículas por centímetro quadrado, uma moagem mais grossa.

A água a 90ºC é despejada nas xícaras (140 ml), cada uma com 10 gramas do café moído. O degustador, então, sente o aroma da bebida. “Temos de vinte a 25 segundos para sentir os gases que são aflorados pelo café”, explica Davi, que utiliza uma colher para intensificar a explosão de aromas. A moagem mais grossa usada na etapa anterior facilita o rompimento dos gases que trazem à tona os defeitos e as qualidades do café.

Davi explica as etapas da degustação do café (Foto: Ernesto de Souza/Ed. Globo)

A última etapa é a degustação, que é feita por meio de sucção, para que o líquido passe por todas as papilas gustativas de língua. Depois da prova, já é possível dar a classificação do café. O tipo comercial recebe de 70 a 80 pontos. Já o gourmet e os especiais são classificados entre 80 e 86 pontos e os extras especiais até 100 pontos.

O Brasil não é apenas referência em produção de café. O país também atrai diversos estrangeiros interessados nos cursos de degustação. Um dos mais renomados é o promovido pela organizado pela Associação Comercial de Santos, onde Davi é professor. São cinco turmas anuais formadas por até 20 alunos cada. 

Fonte: Revista Globo Rural

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