Projeto transforma moradores de rua em baristas – e pode chegar ao Brasil

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Ao tomar café em algum dos 32 pontos da rede de cafeterias britânicas Change Please, é impossível não reparar que o benefício não está apenas na apresentação e no sabor das bebidas.

Seu próprio nome – “Mudança, por favor” – já denuncia que estes não são estabelecimentos comuns. A missão de “ajudar os moradores de rua” está escrita em letras garrafais nos coffee trucks ou nas embalagens de café em pó. Se você parar para conversar com algum dos baristas, perceberá que eles são os tais desalojados aos quais a Change Please dá suporte.

O projeto, criado pelo empreendedor Cemal Ezel, surfa na onda crescente do empreendedorismo com propósito. Os negócios de impacto social tem movimentado cerca de US$ 60 bilhões em nível global e registrado aumento aproximado de 7% ao ano, segundo levantamento da Ande Brasil (Aspen Network of Development Entrepreneurs), uma rede de empreendedores de países em desenvolvimento.

A Change Please já tirou 120 pessoas de situação de rua. No mês passado, o empreendimento recebeu 353 mil dólares do Chivas Venture, competição para empreendimentos de impacto social, e usa tal dinheiro para construir um centro de treinamento de 1.850 metros quadrados

A rede expandiu não só pelo Reino Unido, mas também para Nova York e San Francisco, nos Estados Unidos. Em longo prazo, Ezel não descarta uma filial em outro país que se beneficiaria de um projeto desses: o Brasil.

Missão de negócio

O trader de commodities Ezel teve a ideia do Change Please em uma viagem ao Vietnã, ao descobrir um estabelecimento de chá operado por mulheres surdas-mudas. Ele decidiu criar um negócio com apelo social similar, mas em seu país de residência, Londres.

De volta à terra da Rainha Elizabeth II, o empreendedor cruzou duas situações. A população de rua dobrou desde 2010, com quatro mil pessoas nessa situação no Reino Unido. Ao mesmo tempo, até 2020 a região deverá ter 21 mil cafeterias, gerando mais de 100 mil empregos.

A demanda por baristas que saibam preparar um café bonito e saboroso só cresce – e pode ser saciada por meio do treinamento e alojamento desses moradores de rua. “As pessoas não sabiam muito bem o que fazer ao se depararem com pessoas em situação de rua – se davam dinheiro ou não. Eu queria fazer algo sobre isso”, conta Ezel em entrevista por telefone a EXAME.

A Change Please nasceu em 2015, dando treinamento, alojamento e trabalho em cafeterias aos moradores de rua. O processo dura seis meses, com suporte para que eles consigam achar novos empregos depois desse período. O treinamento de barista é mais simples do que o de chef de um restaurante e a interação com o público pode ser uma forma de aumentar a confiança dos sem-teto, explica o empreendedor.

Cemal Ezel (centro) fabricando café para a Change Please (Change Please/Divulgação)

Com três anos de operação e 32 cafeterias operando, Ezel conta que seu maior desafio continua sendo batalhar o preconceito. “Foi difícil superar a concepção de que os sem-teto não querem trabalhar e que são preguiçosos. Eventualmente as pessoas visitam o café e percebem quão incríveis eles podem ser, e quanto são mal usados.”

Além do trabalho com os baristas, todos os copos de café da Change Please são reciclados e os grãos vêm de fazendas que apoiam comunidades locais em apuros financeiros. A Change Please também revende seu café em pó em supermercados, como forma de pessoas distantes das cafeterias poderem contribuir para a causa. Ao todo, são 907 toneladas de café em pó por ano.

A Change Please já tirou 120 pessoas de situação de rua (Change Please/Divulgação)

O negócio já havia recebido um investimento de 234 mil dólares do Virgin Group, do bilionário Richard Branson. Com os 353 mil dólares do Chivas Venture, o Change Please está construindo seu novo centro de treinamentos. O projeto se expande pelo Reino Unido e pelos Estados Unidos, com locais em Nova York e San Francisco, e pela Austrália. Ezel afirma que recebeu pedidos de franqueamento do Brasil e que está analisando o mercado de cafeterias e cafés no país. A entrada no Brasil poderia se dar entre 18 e 36 meses, estima.

A Change Please faz parte de uma onda cada vez maior de empreendimentos de impacto social – negócios que não só apresentam uma proposta de monetização, mas também de propósito. Por aqui, um levantamento do Sebrae em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) identificou mais de 800 negócios de impacto social. Um desafio para esse tipo de empresa é gerar impacto conjunto à sustentabilidade financeira, desviando-se de sobreviver apenas de doações.

O projeto de Ezel apresenta lucro, mas ele opta por reinvestir todos os ganhos. “Não é mais sustentável que organizações montem empreendimentos que façam os ricos serem mais ricos e os pobres serem mais pobres. Nosso mundo só melhora se melhorarmos nosso capitalismo e fizermos nossas crianças viverem em um mundo em que as pessoas não apenas consigam sobreviver.”

Fonte: EXAME (Por Mariana Fonseca)

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