Os desafios do solúvel brasileiro

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Para a indústria do solúvel, o Brasil é líder na exportação de café como matéria-prima, mas sua participação com valor industrial é declinante no mercado

Em busca de traçar um panorama atual da cafeicultura brasileira, a Embrapa Café, que coordena o Consórcio Pesquisa Café, tem sistematicamente entrevistado dirigentes de instituições representativas dos diversos segmentos do agronegócio café no Brasil. Até o presente, já entrevistamos o diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria do Café – Abic, Nathan Herszkowicz, o diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil – Cecafé, Guilherme Braga, e o diretor da Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais – Faemg, Breno Mesquita.

Esta edição, o entrevistado foi o diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel – Abics, Roberto Ferreira, uma das cinco entidades privadas representativas do setor cafeeiro no Brasil que, juntamente com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA, Conselho Nacional do Café – CNC, Abic e Cecafé integram o Conselho Deliberativo da Política do Café – CDPC, órgão colegiado vinculado à estrutura administrativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa.

Para Roberto Ferreira é fato concreto que nosso País não tem dispensado até agora a devida atenção à exportação do café industrializado (que somente na área do solúvel já responde por 21% do consumo mundial) e às inúmeras vantagens decorrentes dessa operação, principalmente quanto ao inquestionável valor agregado, assim como ser grande fator gerador de empregos. Tudo isso é plenamente confirmado por meio do grande número de novas indústrias que surgem em todos os continentes, enquanto que no Brasil nosso volume de exportação está estagnado há mais de 10 anos. O Brasil é líder na exportação de café como matéria-prima ou commodity, mas sua participação no produto com valor industrial é muito pequena, ou pouco mais de 11%, com tendência declinante a cada ano. Saiba mais nesta entrevista sobre o estado da arte do café solúvel no Brasil e no exterior e, principalmente, o que pensa o dirigente da Abics diante das dificuldades e desafios enfrentados pelo solúvel nos últimos anos.

Embrapa Café – Poderia descrever qual é a missão institucional da Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel – Abics?

Roberto Ferreira – Respaldada a competência legal e as atribuições privativas do órgão de caráter sindical de sua categoria, o Sindicato Nacional da Indústria de Café Solúvel – SNICS, reconhecido em 16 de outubro de 1979, a Abics, constituída em 26 de outubro 1971, tem como missão institucional representar e defender os direitos da categoria em qualquer foro; prestar às associadas serviços de assessoria econômica e jurídica e outras que se fizerem necessárias; e promover a difusão do consumo de café solúvel no mercado interno e externo.

EC – Atualmente, quantas indústrias de café solúvel são filiadas à Abics e como era essa situação nos últimos dez ou quinze anos?

RF – Há vinte anos, nosso parque industrial era composto por onze indústrias, das quais três encerraram suas atividades e uma foi absorvida por sua controladora. Dessas sete, apenas uma não se encontra mais filiada à Abics.

EC – Em 2012, qual foi o consumo de café solúvel no Brasil e quais os principais países que importaram e em que quantidades?

RF – O consumo de café solúvel no Brasil em 2012 foi estimado entre 4% a 5% do total de café consumido no país. Os países que mais importaram nesse mesmo ano, de um total de 76.123 toneladas de café solúvel exportadas para 111 países (equivalentes a 3.314.870 sacas de 60 kg), foram: USA (12.125 toneladas), Rússia (8.073 t), Japão (6.247 t), Ucrânia (5.412 t) e Alemanha (5.141 t).

EC – E, para 2013, qual é o volume estimado para o consumo interno e para a exportação de café solúvel?

RF – Nossas projeções não indicam quaisquer alterações substanciais para 2013, tanto no consumo interno como nas exportações, estagnadas em uma média anual de 3.200.000 sacas por ano há mais de 10 anos devido aos problemas crônicos que o setor enfrenta, como a impossibilidade de operar o sistema drawback (importação com fins específicos de exportação) e as discriminações tarifárias a que somos submetidos em importantes mercados consumidores.

EC – Em relação ao café verde, o Brasil é líder mundial na produção e exportação, mas a participação no mercado exportador com o produto industrializado (torrado, torrado e moído e solúvel) é relativamente pequena. Como explica essa realidade e o que pode ser feito para revertê-la?

RF – O Brasil dispõe de tecnologia e capacitação para atender qualquer tipo e qualidade de café solúvel a qualquer mercado do mundo. No entanto, estamos perdendo participação na exportação a cada ano devido à grande dificuldade em sensibilizarmos as autoridades para solucionar o grande entrave que ocorre em nosso País relacionado à insuficiência de café conilon, a principal matéria-prima usada pela indústria de café solúvel e também bastante utilizada pela indústria de torrado e moído. É realmente incompreensível essa situação, que acarreta considerável perda de divisas e de empregos no Brasil. A reversão imediata desse quadro é possível a partir da autorização da operação de drawback para a indústria de café solúvel, por meio de mecanismos que não tragam quaisquer riscos de prejuízo ao produtor nacional. O fato de haver impedimento para nossa indústria competir com indústrias de café solúvel instaladas em outros países que permitem a importação para fins específicos de exportação é um retrocesso.

Na reunião do CDPC, em Brasília, no dia 28 de fevereiro deste ano, apresentamos uma proposta inédita àquele colegiado. A proposta é de que a indústria possa importar pequenas quantidades somente no período em que a matéria-prima deixasse de existir no mercado, conforme vem ocorrendo há muitos anos no período compreendido entre dezembro a abril. Em outras palavras, não estaríamos prejudicando ninguém, pois não há como reclamar de algo que não existe. Lamentavelmente essa proposta recebeu uma fria acolhida, o que nos permitiu inferir que realmente poucas pessoas estão entendendo o que se passa e o que significa a indústria de solúvel para a cafeicultura, contrariamente ao que está se verificando em países como a Índia e Vietnã, que estão cada vez mais incentivando essa atividade por entenderem que ela é a que agrega maior valor à commodity café, além de ser responsável por grande geração de empregos. As previsões da safra brasileira de conilon para este ano estão nos indicando a triste e exata repetição de todos esses acontecimentos sem qualquer alteração.

EC – Dados da Organização Internacional do Café – OIC mostram que as exportações do café solúvel pelos países produtores crescem a uma taxa de 7,5% ao ano desde 2000. Passaram de 4,7 milhões de sacas para 10,5 milhões em 2011, puxadas pelo Brasil, Índia, Colômbia e Equador. Vietnã e Indonésia, primeiro e segundo produtores de robusta e maiores exportadores, exportaram 3 milhões de sacas em 2012. A terceira posição ficou com o Brasil, com menos de 1 milhão de sacas. Que medidas o Brasil poderia adotar para aumentar a sua participação nesse mercado de café solúvel?

RF – O mercado está assistindo a essa grande substituição do tipo arábica por conilon ou robusta, tanto no café regular (torrado/moído) como no solúvel. Estamos estimando que nossos concorrentes vão continuar crescendo em detrimento da nossa participação enquanto não houver solução para os problemas internos acima descritos. Em 2011, Indonésia e Vietnã, juntos, exportaram 3.200 mil sacas sob forma de solúvel e, conforme já mencionado, a exportação brasileira de solúvel nesse mesmo ano foi de 3.314 mil sacas.

EC – Certos analistas indicam crescimento do consumo de café solúvel no Brasil e no mundo a taxas superiores às do torrado e torrado e moído, especialmente na Ásia, Europa e Europa Oriental. Entretanto, o Brasil não está se beneficiando desse crescimento. Na visão da Abics o que está faltando para que o nosso País se beneficie desse consumo?

RF – Todos os principais blocos comerciais do mundo estão mostrando significativo crescimento de demanda por café solúvel acima do torrado/moído, conforme nossas pesquisas indicam até o ano de 2017. Além do problema com a matéria-prima, nosso País tem o desafio da discriminação tarifária imposta pela União Européia e Japão. Entendemos que o consumo de café solúvel no Brasil tem se mantido estável nos anos mais recentes.

EC – Devido à semelhança do preparo da bebida, vê-se que o ingresso ou mesmo o crescimento do consumo de café solúvel ocorre em muitos países tradicionalmente consumidores de chá. O que está faltando ser feito para que possamos usufruir desse nicho de mercado, inclusive em termos de promoção, desenvolvimento de mercado e marketing?

RF – Por seu preparo rápido e simples, o café solúvel tem sido tradicionalmente o pioneiro na abertura de mercados pouco acostumados ao consumo do café, como já ocorreu em vários países. Atividades como promoções, marketing, feiras são constantemente realizadas e eventos apropriados são os caminhos para essas ações, que precisam ser feitas em conjunto com outras destinadas à manutenção da competitividade do solúvel brasileiro. Concretamente, não há fundamento em se fazer promoções no exterior sem termos as mesmas condições de competitividade de nossos concorrentes.

EC – De outro lado, o número de bebidas prontas à base de café, inclusive à base de solúvel, também é crescente em vários países. A que se deve essa expansão e como o País poderia se beneficiar desse aumento de consumo?

RF – As formas de apelo ao elo mais importante de toda a cadeia, ou seja, o consumidor, são intermináveis. É só observar os aromatizados, os 3×1, as cápsulas, cappuccinos etc, em sua maioria preparados a partir do café solúvel. E o mais curioso dessas atividades de marketing, de uma forma geral, é que se fundamentam muito mais em oferecer uma qualidade cada vez melhor do que se preocupar com o fator preço, demonstrando que a preferência por uma boa xícara de café supera o elemento preço na decisão desse consumidor. No tocante à expansão do consumo, o surgimento das antigas repúblicas socialistas soviéticas como nações de comércio mais livre abriu uma perspectiva ainda não totalmente conhecida não só para ao café, como também em relação aos mais variados produtos colocados à disposição desses mercados.

EC – Sabemos que o Sistema Geral de Preferências (SGP) da União Européia, a que o senhor se referiu anteriormente, é um regime de benefícios comerciais concedidos pelos países desenvolvidos a nações menos desenvolvidas. No caso do café industrializado brasileiro, a União Européia impôs tarifas de 9% para o nosso café solúvel e de muito menos para alguns dos nossos principais concorrentes. Como essa tributação discriminatória tem afetado a indústria do café solúvel do Brasil naquele mercado e o que poderia ser feito para reverter ou minimizar esse quadro?

RF – A discriminação tarifária imposta ao Brasil já perdura por mais de 20 anos, não obstante tenhamos tido um período de quotas entre 2002 a 2005. Enquanto para nossos produtos é atribuído um imposto de 9%, outros poucos países, nossos concorrentes, pagam no máximo 3,1%. Em outubro passado, o Ministério das Relações Exteriores – MRE nos informou que a União Européia, composta atualmente por 27 países, estaria eliminando os benefícios desse SGP para todos os produtos brasileiros. Há mais três países em vias de participar desse bloco e, a cada nova entrada, nosso prejuízo é maior. Como consequência, estaremos correndo o risco de até mesmo ter aumento da tarifação. Esse bloco comercial é o maior centro consumidor e distribuidor de café do mundo e tal tributação realmente nos impede ter participação maior, embora ainda respondendo por uma média anual de 20% de nossas vendas. A solução desse problema seria uma ação do Brasil junto à Organização Mundial do Comércio – OMC para o que contamos com abalizados pareceres jurídicos dando-nos ganho de causa. No entanto, até o momento, não conseguimos o respectivo apoio governamental. O caso do Japão é mais recente, pois o governo daquela nação decidiu reduzir anualmente, a partir de 2010, a tarifa anteriormente cobrada de forma uniforme, em favor dos países do bloco asiático conhecido como Associação de Nações do Sudeste Asiático – ASEAN, em prejuízo para o nosso País. Também o extrato congelado de café, antes isento, passou a ser taxado em 15% a partir de 2011.

EC – O senhor poderia explicar melhor como funcionaria o drawback e, na avaliação da Abics, de que forma essa prática poderia atenuar os problemas do setor solúvel no Brasil e quais barreiras teriam que ser rompidas para viabilizar essa modalidade de comercialização?

RF – O drawback é prática comum entre todos os países, sejam produtores ou consumidores, com a finalidade de suprimento por insuficiências locais, como de nivelamento em matéria de competitividade mundial. Esse intercâmbio cresce a cada ano, tendo atingido mais de 11 milhões de sacas em 2012. Se os países produtores não adotarem essa operação, estarão sendo logicamente cada vez mais alijados do mercado internacional. Essa realidade de globalização do mercado de café já foi notada por todos, menos pelo Brasil. Aqui existe um sentimento de que a importação e consequente reexportação sob a forma de solúvel iria desestabilizar o mercado interno, trazendo riscos de pragas para a lavoura nacional. Além disso, acreditam que as indústrias estariam importando cafés de baixa qualidade, e assim por diante. Tudo isso não tem fundamento, pois somente estaríamos importando quando fosse constatada a falta física no mercado interno. Além disso, os produtos do agronegócio a serem importados (de qualidade igual ao que exportamos) só entrariam no País mediante Análise do Risco de Pragas, feita pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa. Há países que, além de permitirem o drawback, também concedem incentivos à exportação do produto em embalagem final ao consumidor. Essas preocupações nos permitem pensar que poucos conhecem a imensa quantidade de produtos do agronegócio que o Brasil importa diariamente de todas as partes do mundo, mediante a devida análise do Mapa por meio de seus departamentos especializados.

EC – Sabe-se que em torno de 60% do consumo interno de café no Brasil, aproximadamente 12 milhões de sacas/ano, é praticamente toda a produção de robusta, base da matéria-prima do solúvel. De que forma, essa forte demanda interna tem afetado as indústrias do solúvel?

RF – Essa é a realidade brasileira. Mesmo havendo divergências quanto ao volume da safra nacional, qualquer cálculo que se faça nos levará à conclusão da insuficiência da produção interna e suas consequências já mencionadas anteriormente. Mesmo reconhecendo o esforço e mérito do estado do Espírito Santo no admirável aumento de produtividade e qualidade já conseguido e ao esforço constante da pesquisa para o aumento da área de cultivo, entendemos que o aumento da demanda dos três segmentos (consumo interno/exportação em grãos/solúvel) não poderá ser atendido nos próximos anos.

EC – O Consórcio Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa Café desde 1997, é uma experiência de integração de ciência e tecnologia em todas as etapas da cadeia produtiva do café. O senhor acredita que a indústria do solúvel, de forma direta ou indireta, se beneficiou de tecnologias geradas pelo Consórcio nesse período?

RF – O sucesso da lavoura capixaba é modelo para todos os países produtores, pois além da qualidade, a produtividade alcançada significa benefícios a toda cadeia, inclusive à nossa indústria. Apenas gostaria de mencionar a necessidade de todo tipo de apoio da Embrapa Café, como coordenadora do programa de pesquisa do Consórcio Pesquisa Café, à cafeicultura de Rondônia. O estado, por não conseguir acompanhar esses índices alcançados no Espírito Santo, necessita ainda de atenção especial para motivar os produtores da região.

EC – Para finalizar, gostaria de fazer comentários adicionais e/ou acrescentar mais informações que não foram ditas nas perguntas e respostas anteriores?

RF – Além de o nosso País não ter ainda se conscientizado de que o crescente mercado de café solúvel já representa ao redor de 21% do consumo mundial de café, a expansão e o surgimento de novas fábricas em várias partes do mundo servem como atestado incontestável da importância dessa atividade em países tanto produtores como importadores. É digno de registro que, em contrapartida, no Brasil, não se instala uma nova empresa desse ramo há mais de 40 anos.

Fonte: Gerência de Transferência de Tecnologia da Embrapa Café

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