O embaixador da qualidade do café

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Em visita à propriedade cafeeira, o engenheiro agrônomo confere a secagem do café no terreiro (Foto: Divulgação)
Em visita à propriedade cafeeira, o engenheiro agrônomo confere a secagem do café no terreiro (Foto: Divulgação)

A vida reserva mesmo surpresas. Quem diria que um paulistano, criado no bairro de Perdizes, iria se tornar referência nacional em qualidade de café? Esta é a história do engenheiro agrônomo, pesquisador e empresário Aldir Teixeira. A paixão pela terra foi herdada do pai, que cultivava plantas em casa. Quando adolescente, Teixeira chegou a ter uma coleção de árvores frutíferas plantadas em lata. Mas quando revelou aos pais o curso que desejava fazer na faculdade, eles tentaram dissuadi-lo. “Meu pai queria que eu fizesse medicina, minha mãe que eu seguisse a carreira militar”, relembra.

Teixeira se formou em engenharia agronômica, em 1959, na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP). Mas saiu da universidade sem experiência na cafeicultura. “Tive uma noção geral sobre café. Os professores falavam da agricultura de forma geral e com mais especificidade sobre culturas como a cana-de-açúcar”, diz o pesquisador.

O vínculo com a cultura cafeeira começou a ser construído no primeiro emprego de Teixeira. Ele prestou um concurso para a Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo e começou a trabalhar na seção de classificação e degustação do antigo Departamento de Produção Vegetal (DPV). “Quando cheguei, a primeira coisa que meu chefe mandou fazer foi o curso de classificação de café no Instituto Brasileiro do Café (IBC)”, diz Teixeira.

Na época, as Casas da Agricultura do interior tinham laboratórios de classificação de grão e até uma versão móvel em peruas Kombi, que iam até a fazenda. “Você chegava a ponto de colher o café, secar, torrar e provar no mesmo dia”, recorda o engenheiro agrônomo. A classificação era meramente informativa. “Não tínhamos o interesse nem de comprar, nem de vender. Nós dávamos o laudo para o produtor, que muitas vezes não entendia”, completa.

O resultado era como um uma chapa radiográfica, o cafeicultor recebia, mas não conseguia decodificar. “Eu queria saber os porquês, por que o café era tipo 3, por que bebia bem, por que bebia mal e, ao saber os porquês, eu diria ao produtor como corrigir”, diz o empresário. No curso, ele aprendeu a degustar, apreciar e descobrir o que significa cada característica. “E com o meu conhecimento agronômico, comecei a responder porque apareceu o grão preto, o grão ardido e, se não sabia, eu fazia pesquisa”, diz Teixeira.

Aldir Teixeira classifica as amostras de cafés enviadas para o Prêmio Illy de Qualidade para Espresso (Foto: Divulgação)
Aldir Teixeira classifica as amostras de cafés enviadas para o Prêmio Illy de Qualidade para Espresso (Foto: Divulgação)

Todo empenho era para interpretar ao cafeicultor o significado do laudo de classificação do café. “O agricultor geralmente sabe bem a variedade que ele plantou, o espaçamento, o adubo, a quantidade de cada produto que ele aplicou para controlar pragas, é capaz de plantar em curva de nível, mas se perguntar a qualidade do café que produz, ele não sabe responder. Pelo menos, não sabia”, explica o classificador.

Na sequência, ele foi convidado para trabalhar no IBC, autarquia do Governo Federal entre os anos de 1952 e 1989, inicialmente criada para ser um órgão regulador e controlar o excesso de café no mercado. O IBC tinha um braço político, que o levou à extinção, e outro de assistência técnica e pesquisa para o qual Teixeira trabalhava. O engenheiro agrônomo ficou lá por quase duas décadas e, depois, foi ser pesquisador científico noInstituto Biológico de São Paulo. Um dia ele estava no Departamento Estadual de Trânsito (Detran) e, do andar de cima, olhou para o instituto e viu um terreno vazio. “Voltei e falei para o meu diretor que precisávamos plantar alguma coisa para não perder a área”, relembra.

Com o aval do superior, ele chamou alguns técnicos para ajudá-lo a plantar o cafezal do instituto. “Consegui as mudas da cooperativa de Garça e plantamos um hectare das variedades catuaí e mundo novo”, diz Teixeira. Os pés de café tiveram uma repercussão enorme e atenderam dois objetivos do engenheiro agrônomo, o primeiro de ocupar a área e o segundo de facilitar o trabalho dos pesquisadores, que às vezes viajavam 400 quilômetros para pegar uma folha de café. O cafezal se tornou marca registrada da capital paulista e, há alguns anos, a Câmara Setorial de Café de São Paulo convida representantes de todos elos da cadeiapara colher os frutos do local, evento que marca a abertura oficial da colheita.

Ernesto Illy procurava pessoas para colocar em prática a sua ideia e recebeu várias indicações, entre elas, a de Aldir Teixeira. “Fui fazer a entrevista num sábado e, como sempre fui pontual, cheguei na hora e fui entrevistado por ele. Outros que não chegaram no horário, ele nunca mais teve contato”, relembra o empresário. Precavido, antes da conversa, Teixeira procurou saber o que ele buscava e soube que o italiano queria fazer um concurso de qualidade de café no Brasil. O pesquisador fez o esboço do regulamento de uma competição e levou consigo para o bate-papo.Com uma vida de trabalho dedicado ao fruto, Teixeira se tornouo profissional de referência em qualidade do café. A notoriedade levou o químico Ernesto Illy (1925 – 2008), presidente da illycaffè, a convidá-lo para uma entrevista em 1991. O italiano havia vindo ao Brasil com a missão de encontrar café de qualidade. A torrefadora usava (e ainda usa) 50% de café brasileiro no seu blendpor conta do bom corpo, doçura e característica de chocolate. Entretanto, no final da década de 80, não estava encontrando grão de qualidade no país. “Às vezes, de 40 amostras que chegavam em Trieste (sede da illy na Itália), ele aprovava uma ou duas”, diz Teixeira. “Ele não tinha a quantidade de café necessária para fazer seu blend”, complementa.

A estratégia funcionou e deu origem ao 1o Prêmio Ernesto Illy de Qualidade de Café para Espresso, premiação que foi um pontapé de uma revolução na cafeicultura brasileira e, este ano, vai para 26ª edição. “Antes o produtor não ganhava nada a mais para fazer um bom café, mas sr. Illy, ao fazer o prêmio, passou a comprar direto do produtor e pagar um preço maior que o de mercado”, conta Teixeira. Em contrapartida, a torrefadora eliminou a dificuldade de encontrar bons cafés no Brasil.

No momento que o cafeicultor começou a ser melhor remunerado, ele começou a querer entender de qualidade. “A Illy fez um trabalho de catequese, de levar este conhecimento ao agricultor”, diz o empresário. Muitas vezes, o produtor fazia um bom trabalho na lavoura, que se perdia por detalhes na colheita, pós-colheita e beneficiamento do grão. Mas a ordem do sr. Illy era: “Quando dermos resultado negativo em uma amostra, precisamos dizer ao produtor o porquê, precisamos respeitar o trabalho que ele fez durante todo ano na esperança de fazer uma coisa boa”.

Hoje, Teixeira é o diretor-geral da Experimental Agrícola, empresa que compra, classifica e exporta o café para illycaffè. Por tantos trabalhos em prol à cafeicultura, no ano passado Teixeira recebeu o troféu Deusa Ceres da Associação de Engenheiros Agrônomos do Estado de São Paulo (Aeasp). Além disso foi homenageado no Prêmio Estadual de Qualidade de Café de São Paulo, que leva seu nome.

Para os fãs do fruto, o classificador deixa um recado: “Você tem que esperar pelo café e não o café esperar por você”. Em outras palavras, a bebida precisa ser consumida assim que preparada. “Procure tomar o café puro, sem açúcar e sem aditivos, como creme, se ficar um gosto agradável na boca é porque o café é de qualidade”, finaliza Teixeira.

Fonte: Revista Globo Rural (Por Lívia Andrade)

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