Naturalmente descafeinado
Descobertos há seis anos, os pés de café desprovidos de cafeína finalmente podem chegar ao mercado — e graças a um método desenvolvido no Brasil, onde, ironicamente, os descafeinados não têm grande apelo popular.
Um estudo coordenado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp) usou agentes químicos para induzir mutações no DNA de pés de café. Trata-se de uma técnica empregada há décadas na agricultura, mas nunca com esta planta.
— A primeira etapa é fazer alterações pontuais no material genético — explica Paulo Mazzafera, diretor do Instituto de Biologia da Unicamp e coordenador da pesquisa. — Depois, colocamos as sementes que passaram por aquele tratamento para germinar.
Daí só resta a seleção das plantas que desenvolveram a característica desejada: a ausência total de cafeína.
Cerca de 35 mil sementes foram analisadas, com diferentes doses de agentes químicos e tempo de tratamento.
Os pesquisadores encontraram sete plantas sem cafeína. Uma proporção altíssima, considerando a ocorrência de mutações na natureza.
Os pés desprovidos de cafeína produzirão sementes com a mesma característica. A partir daí, portanto, o experimento parecia encaminhado.
Mas não foi simples assim.
A mutação induzida fez com que as flores desses pés de café florescessem mais cedo do que o normal.
Este fenômeno diminui a produtividade de sementes.
O cafeeiro normal começa a produzir o pólen quando a flor ainda está fechada, garantindo uma numerosa autofecundação. Nas plantas obtidas pelo experimento, a flor floresce precocemente, antes mesmo da produção do pólen.
— Não registramos autofecundação em muitos pés de café que passaram por mutações — lamenta Mazzafera.
— É um problema, porque essas plantas passam a receber pólen de cafeeiros normais. E este cruzamento origina grãos de café com cafeína
Abelhas garantem produtividade
O pesquisador desenvolveu duas estratégias para driblar esta deficiência.
A primeira: cultivar separadamente plantas normais e “mutantes” — um espaço razoável entre elas cessaria a troca de pólen. O segundo passo é colocar abelhas nas plantações onde não há cafeína. O inseto aumenta a polinização do café. Com a autofecundação acelerada, cresce a produção de novas sementes.
O método desenvolvido pela Unicamp é mais barato e eficiente do que os usados atualmente em todo o mundo para a produção de café descafeinado.
Duas das três fórmulas mais conhecidas sacrificam substâncias importantes para o desenvolvimento do aroma e sabor do café.
— O método mais eficiente usa a forma líquida do CO2 para lavar os grãos de café. Mas esse processo demanda alta pressão e temperaturas de até 70 graus Celsius, ou seja, um aparato que encarece o produto — ressalta o pesquisador da Unicamp.
No Brasil, a receptividade ao café descafeinado é muito menor à observada em outros países. Embora o produto seja responsável por 10% de todo o café comercializado internacionalmente, aqui ele responde por apenas 1% das vendas.
— As palpitações provocadas pela cafeína podem causar efeitos na saúde das pessoas. Aparentemente os brasileiros são menos sensíveis a este efeito estimulante — cogita Mazzafera.
O café descafeinado mais encontrado no país é solúvel — algo não muito digerido pelos brasileiros. O descafeinado em grãos, como o produzido pela pesquisa, é mais caro e difícil de encontrar.
Com a resistência dos consumidores nacionais ao produto, o pesquisador da Unicamp mira o mercado estrangeiro. A expectativa é levar para o campo, até o ano que vem, as mudas produzidas com sementes mutantes. As exportações começariam em três ou quatro anos.
Fonte: O Globo