Maior demanda por cafés especiais afasta torrefadores do mercado futuro

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A demanda dos consumidores por café de melhor qualidade está dividindo o mercado da bebida em dois.

Um número crescente de torrefadores que lidam com café com sabores mais acentuados cultivado por pequenos produtores está se afastando do mercado futuro tradicional e mais volátil que, segundo eles, tornou-se tão desconectado do modelo de negócios que praticam que já não é útil para gerenciar risco.

O crescimento da demanda por cafés especiais, que já responde por uma de cada duas xícaras de café servidas nos Estados Unidos, tem provocado uma mudança radical no setor, à medida que os produtores estão preferindo investir diretamente nos cafeicultores e assumir o risco sozinhos em vez de enfrentar a forte volatilidade de preços dos mercados futuros — tradicionalmente usados como ferramenta de hedge contra flutuações de valores.

As empresas de trading temem que o mercado de cacau siga os mesmos passos do café porque os consumidores estão cada vez mais exigindo grãos de cacau altamente especializados em suas barras de chocolate. Uma mudança nos hábitos dos consumidores já transformou o pequeno mercado de suco de laranja congelado concentrado, que teve um declínio significativo de participação nos mercados futuros nos últimos dez anos, à medida que os consumidores passaram a preferir variedades de suco de laranja de maior qualidade e a evitar os alimentos processados.

Os preços futuros de café arábica ficaram mais voláteis nos últimos anos, afetados por vários fatores, desde a forte seca que atingiu o Brasil, o maior produtor mundial de café, até as fortes oscilações cambiais e a maior participação de especuladores que entraram no mercado de commodities depois da crise financeira de 2008. Os grãos de arábica são considerados de melhor qualidade e sabor.

Os fundos de hedge e outros especuladores agora representam 22% das apostas no mercado de café, ante 16% no ano passado, segundo dados da Comissão de Negociação de Futuros de Commodities dos Estados Unidos. Os comerciantes e produtores que negociam com futuros de café agora são responsáveis por 38% do mercado, ante 46% no ano passado.

Produtores como Chuck Patton, proprietário da torrefadora Bird Rock Coffee Roasters, de San Diego, têm se afastado das bolsas nos últimos três a quatro anos. Quando Patton começou a comprar café em 2008, todas as suas compras eram protegidas por hedge na bolsa; agora apenas 10% a 20% de seu café vêm de corretores que negociam no mercado futuro.

“O mercado de cafés especiais está realmente operando independentemente do mercado futuro”, diz Patton. “Os preços são menores no mercado futuro, e eu estou pagando o mesmo que pagava no ano passado diretamente aos cafeicultores. Estamos baseando todas as nossas decisões primeiramente na qualidade.”

Nos últimos três anos, o café tem sido a segunda commodity mais volátil do Índice de Commodities da Bloomberg, atrás apenas do gás natural. Os compradores dizem que usar o mercado futuro tradicional de café não vale o risco de perder produtores lucrativos ou qualidade quando os futuros sobem ou caem.

Os compradores de cafés especiais estão migrando para planos alternativos de precificação para negociar acordos, utilizando padrões diferentes, e até investindo diretamente em fazendas produtoras para assegurar a consistência da qualidade e fidelidade.

Os atacadistas se beneficiam desses programas porque os consumidores nos EUA pagam, em média, US$ 5 extras por libra-peso pelo privilégio de beber um café com melhor sabor que venha com uma história que o conecta com o cafeicultor, segundo análise da Universidade Emory.

Os preços dos cafés especiais no mercado americano subiram 12,5% no segundo trimestre em relação a um ano, para US$ 21,94 por libra-peso, segundo o Índice de Preços do Varejo de Cafés Especiais. O contrato de café arábica mais ativo na bolsa americana ICE Futures caiu 24%, para US$ 1,324 por libra, no período. Ele fechou ontem em US$ 1,335 por libra.

A Intercontinental Exchange Inc., também conhecida como ICE, opera 23 bolsas reguladas e plataformas de mercado como as bolsas de futuros dos EUA, Canadá e Europa.

A desconexão entre o mercado de cafés especiais e os mercados futuros levou à criação de novas referências para determinar quanto o produtor deve receber. Peter Roberts, diretor acadêmico do programa de empreendedorismo social da Faculdade de Administração Goizueta, da Universidade Emory, desenvolveu um índice que monitora 60 marcas de café de alta qualidade em uma tentativa de trazer transparência aos produtores e compradores que operam fora do mercado futuro.

Acordos entre agricultores e torrefadores são frequentemente baseados em um e-mail e apertos de mão. Outros cafeicultores e compradores estão usando índices de referência baseados em sabor e qualidade para começar as negociações.

Certamente, analistas do mercado de café não acreditam que as bolsas irão desaparecer. O número de contratos no mercado futuro de café subiu 56% desde 2006, juntamente com um aumento no consumo da bebida no mundo.

Embora grandes marcas, como a rede americana de cafeterias Dunkin’ Donuts, tenham recentemente começado a testar cafés de origens mais selecionadas como Guatemala e Colômbia, os preços futuros permanecem essenciais para executar o tipo de compras em larga escala, e o hedge, necessários para cobrir suas necessidades.

Chris Fuqua, diretor de marketing e de informações de consumo global da Dunkin’ Donuts, diz que a empresa não vê um lugar em sua enorme rede de lojas para cafés de pequena produção que varie em disponibilidade de franqueado a franqueado.

Entretanto, mais e mais tipos de café de alta qualidade estão sendo negociados a preços que não se alteram com base no que acontece nas bolsas, diz Carlos Mera, analista sênior de commodities do Rabobank Group em Londres.

Ao mesmo tempo, acordos de preços de longo prazo estão se tornando mais comuns, diz Stephen Vick, comprador de café da Blue Bottle Coffee, em Oakland, na Califórnia.

“Cada origem é completamente diferente. As necessidades dessa o daquela origem são diferentes”, diz Vick. “Muitas vezes, é uma questão de encontrar as fazendas antes e resolver a rede de suprimentos depois.”

Fonte: The Wall Street Journal Brasil

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