Exportações x Sistema Portuário

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Num contexto em que o comércio exterior brasileiro cresce mais do que o esperado, a demanda doméstica aumenta, e a fronteira agrícola avança rumo ao Norte e Nordeste, o sistema portuário depara-se com a necessidade de dar um novo salto de investimentos – responsável que é por movimentar 90% do fluxo brasileiro de cargas. No intervalo dos últimos dez anos, o comércio brasileiro cresceu quase quatro vezes, fechando 2010 com exportações recordes, de mais de US$ 201 bilhões, e importações de US$ 181,6 bilhões. Mas a oferta de infraestrutura de berços de atracação permaneceu praticamente inalterada.

Os inequívocos ganhos de eficiência para escoar esses volumes se deveram aos investimentos da iniciativa privada em superestrutura, na esteira da retirada do Estado da operação direta, que foi possível com a lei de modernização dos portos, de 1993. Se até aqui os gargalos foram superados mesmo com o pouquíssimo aumento de novas áreas, a partir de agora o governo admite que será necessário não apenas um novo ciclo de aportes, mas também alternativas legais para acelerá-los.

Há menos de um ano a Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP) estimava que os portos chegariam a movimentar 1 bilhão de toneladas somente em 2014. Diante do resultado de 2010, quando foram operadas 834 milhões de toneladas, a entidade aposta agora que a "fronteira do 1 bilhão" será cruzada já em 2013, a se confirmar o índice de crescimento dos volumes em 7% ao ano, conforme a previsão mais conservadora da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) para o atual exercício.

"São necessárias ações imediatas porque a capacidade não está acompanhando o crescimento da agricultura e da mineração", afirma Wilen Manteli, presidente da ABTP.

"O conjunto de áreas que antes tinham uma ineficiência acumulada e certa ociosidade já não está mais disponível. Para almejar ser a quinta economia do mundo, o Brasil precisa de disponibilidade de infraestrutura", diz o diretor-geral da Antaq, Fernando Fialho. Como exemplo, destaca o crescimento a taxas chinesas de Santos (SP) na movimentação de contêineres, que avançou 20,4% em 2010 ante a média nacional de 11,6%, mesmo já sendo o maior nesse tipo de carga.

Segundo o dirigente, o governo está estudando alternativas de novas concessões à iniciativa privada. Hoje, o modelo portuário é dividido, grosso modo, em dois tipos de operação: porto público, explorado pela iniciativa privada por meio de licitação para prestação de serviço a terceiros; e porto privativo, que não exige concorrência porque se destina a movimentar predominantemente a carga do próprio empreendedor.

"Minha opinião é que se poderia tirar o foco da questão patrimonial e colocar apenas no serviço, mas isso é uma discussão que vai demandar mudança legislativa", afirma Fialho. De acordo com ele, uma possibilidade seria licitar outorgas de prestação de serviço portuário para que as empresas instalassem novos terminais, mediante licitação, mas não necessariamente em área pública. "Como é um porto seco (estação aduaneira interior)", exemplifica.

Por esse novo modelo, o investidor teria todas as obrigações de um terminal público. "Para prover a infraestrutura que o país precisa, na velocidade que precisa, necessitamos alguns aprimoramentos na questão legal. Como vai ser, estamos em processo de discussão. E essa é uma sugestão que eu estou colocando".

Sobre a possível gestação de uma nova figura jurídica no setor, Manteli, da ABTP, avalia que a lei de modernização dos portos já prevê todos os mecanismos de transferência da operação do Estado para o capital privado. "Cabe aplicá-la", acredita.

Para o ministro da Secretaria Especial de Portos (SEP), Leônidas Cristino, "é importante, nesse primeiro momento, conceder portos que já estão operando". Até o fim deste ano, assegura, devem ser entregues os estudos de viabilidade técnico-econômica e ambiental para concessão do novo porto de Manaus (AM). O ministro lista ainda como prioridades o arrendamento de um terminal de múltiplo uso em Vila do Conde (PA) e as concessões do Porto Sul (BA) e do Porto de Águas Profundas (ES). "A tendência é que a gente possa avançar nos próximos anos."

Ampliar o sistema portuário nas regiões Norte e Nordeste tem razão de ser. A produção principalmente de soja está migrando para o Norte, contudo, a movimentação da commodity continua concentrada nos portos do Sul e Sudeste. A consequência desse desequilíbrio logístico é que o frete brasileiro sai, na média, cerca de US$ 60 mais caro por tonelada entre a fazenda e o porto comparativamente ao americano e argentino. O cálculo é da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec). "Quem perde é o produtor brasileiro. Quanto mais distante ele estiver do porto, menos ele recebe", afirma o diretor-geral Sérgio Castanho.

O Centro-Oeste foi responsável por fornecer 58 milhões de toneladas (cerca de 52%) da produção nacional de soja e milho em 2010. Mas apenas 16% desse total foi embarcado pelo Norte e Nordeste, notadamente por Itacoatiara (AM), Santarém (PA), Itaqui (MA) e Salvador (BA). Os 84% restantes foram exportados, sobretudo, por Santos, Paranaguá (PR), São Francisco do Sul (SC) e Rio Grande (RS). "O desafio é preparar os portos do Norte e Nordeste para desafogar os do Sul e Sudeste. E resolver a deformação da matriz de transporte, que está muito concentrada na rodovia em vez de estar mais apoiada em hidrovia", afirma Castanho.

Atualmente, a Antaq está revisando o Plano Geral de Outorgas portuário. A principal novidade será a incorporação da rede hidroviária nacional, com a identificação de áreas para instalação de terminais e portos interiores, diz Fialho. "O que vai existir é que em alguns casos haverá mudança de perfil. Não tem mais muito sentido continuar investindo para crescer a infraestrutura de soja em Santos, que vai se especializar cada vez mais em produtos industrializados, conteinerizados. Da mesma forma os portos do Paraná e de Santa Catarina, que cada vez mais movimentam contêiner refrigerado (reefers)."

Somente nos últimos anos, especialmente com a criação da SEP, em 2007, o Brasil passou a tratar porto como negócio e fazer uma diplomacia de resultados. Até então, a política pública do setor estava em um departamento dentro do Ministério dos Transportes. E cabia às companhias docas fazer a promoção comercial de cargas, em investidas que dependiam de ações isoladas mais ou menos bem-sucedidas.

Com um programa de investimento público de R$ 5,028 bilhões até 2014, o ministro Cristino diz que uma de suas metas é fazer com que o Brasil figure entre os 15 primeiros países com o melhor desempenho logístico no setor portuário no ranking do Banco Mundial. Hoje, está no 41°º lugar, depois de um salto de 20 posições alcançado na gestão de seu antecessor, Pedro Brito.

Mas dotação orçamentária e uma vasta carteira de empresários ávidos por investir não resolvem a equação brasileira. "Os estrangeiros veem o setor ainda com desconfiança com relação às questões regulatórias que não foram resolvidas. Enquanto isso persistir, os investimentos externos continuarão a ser pontuais", afirma o sócio do escritório Trench, Rossi e Watanabe, José Roberto Martins. A empresa assessorou a operadora portuária internacional APM Terminals na compra de parte do terminal BTP, em Santos, no ano passado.

Outro entrave é a inflação de burocracia. Um dos projetos há mais tempo na lista de prioridades do governo, o Terminal de GRÃOS do Maranhão (Tegram) deverá ter seu processo licitatório deflagrado somente neste ano – o primeiro pedido de arrendamento de uma área para sua construção foi feito em 2004. O projeto final, aprovado pela Antaq em abril, foi protocolado no Tribunal de Contas da União no dia 2 de maio. O órgão, que passou a acompanhar os processos de atividades transferidas à iniciativa privada, tem 30 dias para analisar. "Se tudo transcorrer normalmente, devemos ter o edital de licitação lançado na primeira quinzena de junho", estima o diretor de planejamento da Empresa Maranhense de Administração Portuária, Daniel Vinent. "O grande desafio do nosso setor é sinergia. Tem de haver mais coordenação entre os órgãos públicos para os investimentos ocorrerem. Se o governo criou, acertadamente, a SEP, é ela quem tem de traçar a política pública. E a Antaq implementar, regular e fiscalizar", finaliza Manteli.

Fernanda Pires | Para o Valor, de Santos

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