DNA de café brasileiro abre caminho para melhorar a bebida

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A chave para produzir um café ainda mais saboroso do que o disponível hoje provavelmente está no DNA de um dos ancestrais do cafeeiro, uma plantinha desprezada pelos agrônomos por ser frágil e difícil de cultivar.

É justamente essa espécie, a Coffea eugenioides, a responsável por legar aos frutos do cafeeiro mais cultivado comercialmente as características mais cobiçadas, como o alto teor de açúcares.

Num estranho caso de dupla personalidade biológica, os genes da C. eugenioides ainda se manifestam de forma independente no organismo da planta cultivada.

Isso porque o C. arabica, cafeeiro mais comum no planeta hoje é um híbrido, resultado do cruzamento natural entre a C. eugenioides e outra espécie, a C. canephora, há cerca de 1 milhão de anos.

"Sabe quando a gente diz que Fulano tem os olhos da mãe e o nariz do pai? É mais ou menos isso, só que depois de um número muitíssimo maior de gerações", explica Gonçalo Guimarães Pereira, pesquisador da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Pereira é um dos autores de dois mapeamentos recentes sobre os genes ativos no C. arabica e no C. canephora, junto com Ramon Vidal (também da Unicamp), Jorge Mondego, do Instituto Agronômico de Campinas, e David Pot, do centro de pesquisas francês Cirad.

Já era esperado um considerável grau de esquisitice no genoma do C. arabica. É que quando as duas espécies "mães" da planta se cruzaram há cerca de 1 milhão de anos, o material genético do vegetal-filho foi duplicado.

Editoria de Arte/Folhapress

CÓPIAS DE CROMOSSOMOS

Em vez de duas cópias de cada cromossomo, como ocorre com os seres humanos, o genoma do C. arabica tem quatro cópias de cada cromossomo. "Só que a diferença de origem se manteve. É como se houvessem dois subgenomas", diz Pereira.

Esse fenômeno se manifesta até no nível dos tecidos da planta –é como se boa parte dos frutos derivasse apenas da "receita" presente numa das espécies ancestrais, enquanto as raízes viessem da outra espécie-mãe.

No caso, a maneira como a planta comercial processa moléculas como carboidratos e alcaloides parece depender, em grande medida, da C. eugenioides.

Isso não é mera curiosidade: se quiserem plantas com mais qualidade, os produtores muito provavelmente vão precisar cruzar suas variedades com a planta. "E hoje ela é totalmente negligenciada. Para achar um exemplar aqui no Brasil foi um custo", diz Pereira, brincando que ela "é praticamente um matinho".

Para o especialista, o conhecimento pode dar um empurrãozinho na qualidade da safra cafeeira do Brasil, que hoje produz poucos cafés considerados mais finos.

As pesquisas estão nas revistas científicas "Plant Physiology" e "BMC Plant Biology". A equipe recebeu apoio do Consórcio Pesquisa Café e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). 

Fonte: Folha de São Paulo

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