DEVORANDO O BICHO-PAPÃO

A semana começou com notícias positivas para as commodities com a China permitindo a valorização de sua moeda, que estava “congelada” desde meados de 2008. A aposta dos investidores é que com um poder de compra maior, os chineses possam importar mais matérias-primas. Ao mesmo tempo o mercado acionário não gostou tanto da novidade. Isto porquê o mundo ainda tenta se recuperar da recente recessão, e como muito do que as principais economias consomem de manufaturados vem da China, o encarecimento dos produtos pode prejudicar o andamento da recuperação.

O mercado de café até quarta-feira dava a impressão que iria começar a corrigir (cair), porém a queda em nenhum momento quebrou os US$ 155.00 centavos em Nova Iorque, e na quinta-feira o que vimos foi uma insanidade. Com Londres mais uma vez iniciando a puxada dos preços, o contrato “C”, que negocia os futuros eletronicamente a partir das 3:30 da manhã do horário de NY, acompanhava a alta. Porém as 6 da manhã quando aqueles que estavam vendidos em calls (opções de compra) acordaram e viram os preços subindo, nada podiam fazer para cobrir a sua exposição (do delta) além de comprar futuros. Com a maior parte das origens que produzem o arábica dormindo, o mercado ficou leve e em um dado momento o contrato de setembro negociou a US$ 176.50 centavos / libra, ou uma alta de US$ 16.00 centavos / libra.

O que já estava perigoso, agora ficou proibitivo para aqueles que tem o fluxo de caixa apertado (ou uma posição muito alavancada).

A alta se dá em um momento aonde virtualmente não há mais café suave na América Central e na Colômbia, e a disponibilidade no Brasil ainda não é plena. O fato é que a colheita no maior produtor do mundo não adiantou como se esperava, e o estoque da safra anterior (não comprometido) é mínimo. Além disso há o gerenciamento de recursos que exige dos compradores de além de pagar o café para os produtores, também mandarem margem para bolsa, já que a maior parte dos participantes sempre faz o hedge usando o mercado futuro. Como os compradores de café não emitem dinheiro, há um limite para o volume que podem fazer, e portanto o mercado fica encurralado. Caso os preços futuros não subam mais, ou voltem a cair, o fluxo de caixa dos exportadores ou dealers voltam a ganhar folego, e então poderemos ver mais vendas aparecendo. Porém se o “C” der mais uma estilingada e romper os US$ 180.00 centavos no curto-prazo, a alta pode ficar ainda mais descontrolada.

Os preços atuais não são vistos desde 24 de fevereiro de 1998, ou mais de 12 anos, quando o mercado estava voltando da 2ª maior alta anual que o contrato “C” já fez na sua história. O motivo da alta de 1997, que fez com que Nova Iorque negociasse a US$ 277.00 centavos / libra, foi a falta de cafés suaves. Vale notar que na época os estoques certificados da bolsa eram de apenas 20 mil sacas. Hoje o problema é a mesma escassez de suaves, e por mais que os certificados estejam em 2.3 milhões de sacas, o café que compõe os estoques não servem de substitutos para o café lavado que se procura.

Em 1997 havia entretanto um estoque mundial em torno de 29 milhões de sacas de café, segundo o USDA, e hoje há cerca de 31 milhões de sacas. A diferença é que o consumo há 13 anos era um pouco abaixo de 100 milhões de sacas e hoje é de 131 milhões de sacas. Mas mesmo sendo o índice de estoque/consumo atual mais baixo do que no final dos anos 90, os agentes do mercado (em sua maioria) foram pegos de surpresa pela alta neste momento, dado que ocorre no começo da maior safra que o Brasil já produziu em sua história, 55.3 milhões de sacas de acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). O órgão americano aponta para um ano de superávit mundial de 8.2 milhões de sacas para o ciclo de 2010/2011, o que levará os estoques mundiais para quase 40 milhões de sacas de novo.

Nada disso é novo! Já se sabia que o Brasil teria uma safra grande, que a Colômbia não produzirá mais do que 9 milhões de sacas, e que o Vietnã deve repetir a safra de 19 milhões, portanto os dados apenas ratificam as expectativas. Porém os baixistas torcem o nariz e dizem que o Brasil não produzirá menos do que 58 milhões de sacas, e os altistas crêem que a produção brasileira não passa de 52 milhões de sacas. Os últimos em nada se espantam com a puxada dos preços do terminal (mas será que imaginavam que seria tão rápida e em junho?).

Independentemente das convicções distintas, a verdade é os fundos continuam mostrando apetite de compra, e os preços por enquanto não pararam de subir. Vale comparar que em 2008, quando Nova Iorque negociou a US$ 171.90 centavos, a posição de futuros dos fundos era de 56 mil lotes, e o número de contratos em aberto era de 189,811 lotes. Hoje os fundos têm 35 mil lotes comprados (posição líquida) e o open interest (contratos em aberto) está em 161,586 lotes. Ou seja, os números estão em linha, resta saber quanto mais novas-compras vão entrar no mercado.

A ICE aumentou margem em mais US$ 150.00 por contrato na sexta-feira, e Londres fechou próximo das máximas, ou seja, podemos esperar mais emoções.

Os produtores de café devem aproveitar a oportunidade para vender seu produto, e os exportadores que ainda não cobriram seu short-basis não devem perder o bonde – sempre de olho, claro, no gerenciamento do fluxo de caixa.

Quem diria! Quanto mais o Brasil comercializa sua safra nos atuais níveis de preços, menos baixista o mercado ficará mais para frente, e a super-safra brasileira que era vista como o bicho-papão, acabará sendo devorada pelos touros (altistas).

Quem estava acostumado a ficar vendendo volatilidade barata nas opções está com uma dor de cabeça danada. É como diz um de nossos colaboradores: “a cada 2 anos o mercado apronta uma destas e leva nossa carteira embora”.

Sorte de quem tem café…

Uma ótima semana e muito bons negócios para todos.

* Rodrigo Corrêa da Costa escreve este relatório sobre café semanalmente como colaborador da Archer Consulting

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