Café brasileiro desperta para a Indicação Geográfica

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O Brasil vive um momento distinto na agricultura, com a união de produtores organizados, o apoio científico das instituições de ensino e pesquisa e o incentivo governamental voltado para a delimitação de regiões para o registro de Indicação Geográfica (IG). O país está apenas começando, com oito IGs concedidas, sendo apenas uma para o café: Café do Cerrado (MG). Mas os números avançam com rapidez e as iniciativas espalhadas por todas as regiões produtoras já demonstram que o setor despertou para a importância de demarcar suas origens e agregar valor ao trabalho de milhões de pessoas que vivem no campo. Na lista de produtos brasileiros com potencial para o registro de IG, o café tem merecido destaque.

Além do Cerrado Mineiro, cinco outras regiões figuram na lista de pedidos para concessão de IG, disponibilizado pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), órgão do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior responsável pelo registro. Tanto na modalidade de Indicação de Procedência (IP), quanto na Denominação de Origem (DO), associações se organizam para o registro e elaboram planos de divulgação da imagem de seu território dentre as origens produtoras de cafés diferenciados.

Esta tendência revela uma mudança cultural, quando o setor produtivo começa a perceber que a diferenciação do café, aliado à história de seu povo, ao modo de cultivo e ao associativismo, podem agregar valor ao café brasileiro. É a tentativa de livrar o país do estigma do tradicional café ‘Santos’, enquanto Sul de Minas, Norte Pioneiro do Paraná, Montanhas do Espírito Santo, assim como tantas outras regiões, se esforçam para produzir um café diferenciado, de qualidade digna de freqüentar o mercado internacional com o selo de um produto puro de origem.

Como destacado pela pesquisadora da Embrapa Café, Helena Maria Ramos Alves, a IG seria o respaldo legal para o Brasil apresentar no cenário global a imagem de produtor de cafés diferenciados por origens e sabores. A pesquisadora também ressalta que o benefício que se busca com a IG não é apenas financeiro, mas carregado de aspectos sociais, como a organização da atividade, fixação do homem no campo, adoção de práticas sustentáveis, ampliação da qualidade do café produzido e, conseqüentemente, conquista de novos mercados. “Resultados esperados quando os produtores de dada região se organizam em torno de um projeto comum e, por meio do esforço coletivo para o reconhecimento de seu território, tornando-se mais competitivos para a conquista de um novo segmento”, enfatiza a pesquisadora.
 

Políticas públicas para o desenvolvimento territorial
 
Estas mudanças são resultado de uma série de fatores positivos, que alia o esforço do setor produtivo ao incentivo dos órgãos públicos de referência. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior organizam políticas para o fortalecimento de atividades com potencial de demarcação e para a formação de profissionais sobre os procedimentos e resultados envolvidos em processos de IG.

 Nos últimos anos, o INPI vem passando por uma reformulação que tem destacado a instituição no cenário da inovação. Com ampliação do quadro de pessoal e atualização tecnológica, a estrutura administrativa hoje inclui cerca de 400 examinadores, com estimativas de novas contratações. Dentre as formas de proteção e registro, o aumento da difusão da IG tem despertado a atenção dos brasileiros para a valorização da produção regional. De 2007 a 2010, houve um salto no número de pedidos de IG por brasileiros de quatro para 14.

Atualmente, o Brasil possui oito IPs: Pinto Bandeira (RS) (vinho tinto, branco e espumante); Região do Cerrado Mineiro (café); Vale dos Vinhedos – RS (vinho tinto, branco e espumante); Pampa Gaúcho da Campanha Meridional – RS (carne bovina e derivados); Paraty – RJ (cachaça e aguardente composta azulada); Vale do Submédio São Francisco – BA/PE (manga e uvas de mesa); e Vale do Sinos – RS (couro acabado. Em 2010, foi concedida a primeira DO para brasileiros: Litoral Norte Gaúcho, região produtora de arroz.
 

Formação de multiplicadores no agronegócio
 
A atenção para a importância da IG confirmou-se em 2005, quando o MAPA criou a Coordenação de Incentivo à Indicação Geográfica de Produtos Agropecuários, que investe em convênios com associações de produtores, empresas de pesquisa e cooperativas para tornar viável a elaboração dos documentos necessários ao registro de IG de produtos agropecuários. Os projetos em potenciais regiões produtoras visam despertar para a importância do pedido de IG. Em café existem quatro projetos financiados (Oeste da Bahia, Alta Mogiana, Sul de Minas e Montanhas do Espírito Santo).

Além dos projetos junto ao setor produtivo, desde 2009, curso elaborado em parceria com a Universidade de Santa Catarina (UFSC) forma profissionais nos módulos “Propriedade Intelectual e Inovação no Agronegócio” e “Indicação Geográfica”. Na avaliação de Patrícia Saraiva, que coordena esta iniciativa no MAPA, faltava informação aos técnicos para a criação de massa crítica sobre o tema, para servirem de multiplicadores da IG como ferramenta de desenvolvimento regional. Ela também sinaliza que o passo seguinte deverá focalizar a conscientização entre os consumidores brasileiros, para que valorizem os cafés de procedência demarcada, assim como o consumidor europeu já faz com os produtos identificados com este selo.

MAPA e Confederação Nacional da Agricultura (CNA) também realizam parceria para a difusão da IG e organização do setor produtivo. No final de 2010, a CNA criou um grupo de trabalho de estímulo à IG, formado por profissionais de diferentes áreas, com o respaldo institucional da Embrapa e Sebrae. Diagnóstico realizado por este grupo identificou 22 regiões produtoras de café com potencial para a diferenciação de origem.

Na percepção do presidente da Comissão do Café da CNA, Breno Mesquita, a IG seria uma alternativa para os cafeicultores brasileiros destacarem a diversificação de seus produtos para que a negociação não fique restrita às condições do café vendido como "commodity". Segundo a assessora da CNA, Carolina Bazilli, o próximo passo será a elaboração de projetos a partir da demanda de algumas regiões selecionadas, sobretudo, no que tange ao marketing e à capacitação, com recursos do Fundo de Defesa da Cafeicultura (Funcafé).

 
Ações da pesquisa apóiam organização dos produtores
 

No Sul de Minas, cafeicultores estão se organizando com vistas ao pedido de IG para o café produzido nos municípios de Campestre, Machado e Poço Fundo. O incentivo e a orientação para o reconhecimento desta região fazem parte de um projeto financiado pelo MAPA, com a parceria da Embrapa Meio Ambiente, Embrapa Café, Instituto Federal do Sul de Minas, Universidade Federal de Lavras (UFLA) e Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig).

De acordo com o pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, Miguel Ângelo da Silveira, a diferenciação e o reconhecimento do café deste território são justificados pela importância de sua trajetória, pela predominância do segmento familiar e pela existência de uma representação territorial, notadamente em função da especificidade do ambiente, do contexto sócio-econômico e das ações coletivas locais.

Em fase mais avançada, a Associação dos Produtores de Café da Mantiqueira (APROCAM) comemora a conquista da IP, que em breve será publicada, e se prepara para o pedido de Denominação de Origem (DO), modalidade que requer a comprovação de singularidade do produto devido a condições climáticas específicas. Os produtores desta região recebem orientação com o apoio de um projeto coordenado pelo professor da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Flávio Meira Borém, financiado pelo Mapa/CNPq.

Outro projeto coordenado pela pesquisadora Helena Maria Alves também foi aprovado no programa do Consórcio Pesquisa Café, que está atento à demanda por linhas de pesquisa que agregam valor ao produto. Para esta região, o projeto inclui o georeferenciamento de toda a área demarcada, uso de modelagens e validação no campo, resultando na caracterização detalhada da região, que em breve deverá ser reconhecida pela denominação de origem “Cafés da Serra da Mantiqueira”.

Desde 2006, pesquisas no Sul de Minas e na micro-região localizada na Face Minas Gerais da Serra da Mantiqueira são realizadas pela equipe do laboratório Geosolos (Epamig/UFLA/Embrapa Café), cujos resultados confirmam a existência de uma condição ambiental privilegiada e um modo de cultivo semelhante, com potencial para produção de cafés finos. Para esta caracterização, a pesquisadora da Epamig, Margarete Marin Lordelo Volpato, recolhe os dados de seis estações meteorológicas automáticas instaladas no território demarcado na Serra da Mantiqueira, em diferentes condições de produção de café. De acordo com a pesquisadora, este detalhamento possibilitará uma análise comparativa entre a qualidade do café e as condições geográficas e de clima onde é produzido.

Para a pesquisadora da Embrapa Café, Helena Maria Alves, que participa das iniciativas nas duas regiões, o registro de IG é uma alternativa para a diferenciação do café, o que confirma a sua notoriedade e possibilita um nível de organização e informação sobre o mercado, imprescindíveis para a manutenção da atividade.

 
O exemplo que vem do Cerrado
 
Pensar o mercado de forma diferente. Esta é a mensagem que o superintendente da Federação dos Cafeicultores do Cerrado, José Augusto Rizental, tenta passar quando o assunto é o Café do Cerrado, primeira IG para café concedia no Brasil. A marca já se tornou conhecida no país e no exterior, depois de muito investimento na organização dos produtores, em sistemas de certificação, planejamentos estratégicos e marketing. Quanto ao futuro, Rizental ressalta: “Uma nova região para um novo mundo do Café”.

A lição sobre a importância do registro de origem veio quando os produtores desta região perderam o direito de vender o café para a Europa sem a intermediação de uma distribuidora da Espanha que havia registrado a denominação Café do Cerrado em seu nome. O caso levou 15 anos para ser resolvido e, hoje, os produtores valorizam cada detalhe em amplo programa de rastreabilidade. Mais um passo foi dado e agora aguardam o registro no INPI, na modalidade DO, o que deverá conferir ainda mais valorização ao Café do Cerrado, sobretudo nos mercados que já conquistaram.

A Fundacer congrega seis associações e oito cooperativas, representando mais de 3,7 mil propriedades em Minas Gerais, incluindo 55 municípios, em mais de 160 mil hectares em produção. O volume de café comercializado com o selo de IG chega a 180 mil sacas ao ano, como ágio médio de 30 a 50 reais por saca vendida diretamente para Europa, Estados Unidos e Japão.
 

Movimento “Origens Produtoras de Café do Brasil”
 
O Brasil foi tema oficial da maior feira de cafés especiais do mundo, da SCAA (Specialty Coffee Association of America), em abril, na cidade de Houston, Estados Unidos. Diferente do que ocorre anualmente nesta feira, um grupo de produtores e lideranças do setor organizou um movimento chamado de “Origens Produtoras de Café do Brasil” para levar aos apreciadores de café do mundo inteiro a mensagem de que o país é feito de muitos sabores, qualidades e histórias. O movimento incentiva que as regiões produtoras se unam para valorizar a diversidade do café brasileiro. O objetivo é criar um Conselho Regulador das Origens Produtoras do Café do Brasil, como órgão deliberativo representante do setor produtivo

Fonte: Embrapa

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