Bloqueio de Canal de Suez ameaça oferta de café instantâneo

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A crise no Canal de Suez pode em breve atingir o café instantâneo.

O navio que bloqueia a passagem em um dos pontos de estrangulamento marítimo mais importantes do mundo não limita apenas os embarques de petróleo e gás natural liquefeito, mas também contêineres de café robusta, o tipo usado no Nescafé.

A Europa é a mais afetada porque importa pelo Canal de Suez, mas o impacto será sentido globalmente, já que os atrasos nos embarques agravam a falta de contêineres que atinge os mercados de alimentos.

O enorme navio porta-contêineres Ever Given encalhou na importante rota comercial na terça-feira, bloqueando a passagem de navios com quase US$ 10 bilhões em mercadorias a serem transportadas pela hidrovia egípcia. Desencalhar o navio de 200 mil toneladas pode levar dias ou até semanas, e o congestionamento ao redor do canal já dobrou.

“As tradings terão dificuldade em fornecer aos clientes na Europa”, disse Jan Luhmann, fundador da JL Coffee Consulting, que antes se encarregava das compras de café na Jacobs Douwe Egberts, uma das maiores torrefadoras de café do mundo. “Se tivermos sorte, vai demorar alguns dias para resolver isso, mas, ainda assim, muitos danos já foram causados.”

Cerca de 12% do comércio global passa pelo Canal de Suez, e a hidrovia é mais conhecida por seu papel nos mercados de energia do que por commodities agrícolas, como o café.

Ainda assim, apenas dois grandes produtores de café robusta – Brasil e Costa do Marfim – não usam essa rota-chave para atender grandes consumidores da Europa.

Torrefadoras no continente europeu já encontravam dificuldade para receber café do Vietnã, o maior produtor mundial de robusta, devido à escassez de contêineres. Justamente quando a disponibilidade de contêineres começava a melhorar, o bloqueio do canal trouxe outra dor de cabeça. Todos os grãos que a Europa importa da África Oriental e da Ásia fluem pelo Suez.

“As torrefadoras podem aguentar atrasos de duas a três semanas? Provavelmente, não”, disse Raphaelle Hemmerlin, chefe de logística da trading Sucafina. “Não acho que disponham do estoque de reserva que normalmente têm.”

Além disso, a interrupção terá um impacto global devido à retenção de contêineres, exacerbando a escassez que já levou os estoques dos Estados Unidos para o menor nível em seis anos.

Além de as caixas ficarem presas em navios no canal, quando o tráfego for liberado retornarão a portos como Antuérpia e Rotterdam, disse Hans Hendriksen, que comercializa cacau e café há 40 anos.

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“Quanto mais tempo levar para resolver o problema, mais a logística será afetada”, disse Hendriksen, que agora assessora exportadores, bem como tradings de pequeno e médio porte.

Ao contrário de torrefadoras nos Estados Unidos, fabricantes de café da Europa não podem usar facilmente suprimentos de café robusta do Brasil devido ao sabor dos produtos.

Como resultado, algumas torrefadoras no continente recentemente recorreram a suprimentos da África Oriental para suprir a escassez de grãos robusta do Vietnã, com compras de países como Uganda ou de grãos arábica de sabor mais suave da região.

Mas esses grãos também são transportados pelo Canal de Suez. Tradings com estoques em armazéns europeus estão cobrando um prêmio alto no mercado físico.

No auge da falta de contêineres, tradings cobravam US$ 450 a tonelada acima do preço do café vietnamita armazenado na Europa, o triplo da taxa normal.

“O estoque na Europa está muito apertado, e o mercado à vista deve pegar fogo”, disse Luhmann, da JL Coffee Consulting. “O estoque no Vietnã é confortável, mas qual é o valor disso se você não pode enviá-lo para a Europa?”

O Brasil até agora se beneficiou dos deslocamentos de preços causados pela escassez de contêineres que atingiu o Vietnã no fim do ano passado.

O segundo maior produtor de robusta exportou um recorde de 4,9 milhões de sacas de café em 2020, um aumento de 24% em relação ao ano anterior, de acordo com a Cecafé.

Ainda assim, a maioria desses grãos acabou em estoques certificados de bolsas, e não nas torradoras. Isso porque a substituição do café vietnamita por grãos brasileiros mudaria o sabor do produto final para o consumidor. Os grãos da África Oriental são uma melhor alternativa.

“As torrefadoras mudarão suas receitas?”, pergunta Hemmerlin, da Sucafina. “Não é tão simples.”

Fonte: Bloomberg